Chegamos ao limite e é preciso que Bolsonaro seja impedido para que paremos de morrer, diz Renato Roseno

 

Renato Roseno. (FOTO/ Reprodução/ Facebook).

Eu leio as mensagens das redes de apoio a Bolsonaro. Não são todos robôs. São pessoas que moram perto de mim, de você. Pegamos a mesma fila na padaria. Pode ser aquele seu vizinho -  comum, banal, de aparência inofensiva até, mas capaz de transformar-se num sujeito autoconfiante disseminador do máximo de agressões, ignorâncias, teorias conspiratórias. Sente-se soldado de uma batalha final. Por óbvio, tenho uma ira profunda pela falta de sensibilidade expressa em cada palavra. Raiva da postura que demonstra uma enorme empáfia a partir da ideia estapafúrdia de que estariam numa cruzada de salvação de teorias conspiratórias. Os terraplanistas acham mesmo que são detentores de uma verdade que somente eles acessam. Acreditam verdadeiramente  numa missão messiânica de restabelecimento de valores que teriam sido conspurcados por uma articulação "globalista" que juntaria numa aliança impossível  desde as corporações midiáticas às correntes políticas da esquerda radical. Isso dá muita autoconfiança e ativa o desejo de se colocar em movimento. São mesmo guerreiros de uma autoproclamada guerra cultural. Desconsideram a tessitura da história de uma sociedade escravista e violenta em que a elite econômica e política sempre foram contrárias a qualquer ideia de distribuir poder, riqueza ou saber. Desprezam a realidade dos corpos mortos pela incompetência na crise pandêmica, da fome ocasionada pelo modelo econômico suicida, da violência armada misógina e racista autorizada cotidianamente pelo seu líder maior.

Quando penso no senhor da fila da padaria, penso que nossa maior derrota é ideológica. O padrão de vida dele vem caindo e piorando. A alta de alimentos bateu dois dígitos e ele sente na boca do caixa, nas contas que não fecham, no valor do gás de cozinha. O medo de andar na rua demonstra que o mundo real está mais violento e ele não tem nem como comprar a arma que deseja para concretizar seus ímpetos exterministas. O desemprego do filho mais novo não foi resolvido pelo palavreado do Guedes. Mas ele mantém a confiança de sentir-se um cruzado cristão contemporâneo que foi abençoado para derrotar os sarracenos que ameaçam a dita "civilização ocidental". Não me parece tão enigmático entender como chegamos aqui e como o senhor da padaria tenha se transformado nesse cruzado digital que deposita seu voto e sua própria vida no "mito". O absurdo foi sempre banal no Brasil. Não fizemos o balanço dos escombros da ditadura - os torturadores estão aí, sem prestar contas. O latifúndio atrasado ganhou mais poder com o agronegócio. Os financistas ganharam bilhões com o modelo rentista-agro-extrativista-exportador. O racismo manteve-se como característica funcional dos nossos laços sociais. A grande mídia reagiu ferozmente diante de qualquer ideia de democratização da comunicação e do poder. O que mudou, me parece, é que antes havia para muitos outra oferta de repertório existencial e político. Muitos de nós nos tornamos críticos da realidade por essas ofertas: a compreensão que o mundo como era precisava ser transformado em favor da justiça social, da dignidade humana, da democracia real, dos direitos, da natureza, da diversidade cultural e humana. Sabíamos que o Brasil era desigual, racista, patriarcal que tinha um andar de cima que convoca de tempos em tempos seus cães violentos para - com ou contra a lei - fazer valer seus privilégios. Nós olhávamos os que lutavam contra as injustiças e estes mereciam respeito.

Volto ao senhor da fila da padaria e penso que a ele faltou esse repertório. Ele estufa o peito para falar mal da "esquerda". Fomos fragilizados, desmoralizados. Nos perdemos em meio às indistinções e às institucionalidades. Fomos atacados pela mídia, pelo Judiciário, pelas classes dominantes que coordenam mudanças profundas na sociedade, estimulando o individualismo, a fragmentação. A metamorfose do novo precariado e de seu ultraliberalismo destruiu sentidos de solidariedade entre os que vivem do seu trabalho. Penso que nosso maior desafio é que sejamos uma maioria social capaz de alterar o pêndulo da política para outro eixo. Para isso, será necessário aprender a ser maioria social nessa nova lógica de organização do trabalho nas economias de plataforma. Tenho algumas intuições e não mais que isso. São intuições. A luta pela proteção social universal, por renda básica, pelo acesso à saúde e à educação públicos e de qualidade. A luta contra a carestia. Por redução da jornada de trabalho e por tecnologias a serviço de direitos. As lutas ambientais conectadas no acesso igualitário ao direito à cidade, à agua, à alimentação saudável, à mobilidade. As lutas contra o extermínio das juventudes. As lutas de solidariedade de todos oprimidos e explorados de todas as ordens talvez se façam bandeiras que nos façam nos reconectar com as maiorias sociais que passem a ver a manipulação, o engodo, a violência do projeto fascista. Nosso projeto é melhor para o senhor da fila da padaria, para o filho desempregado, para a mãe que tem um filho encarcerado, para o planeta. Devemos ser capazes de demonstrar essa materialidade agora em 2021, pois se abriu uma janela de lutas por alimento, saúde, trabalho. Precisamos dizer que nosso projeto de direitos é infinitamente melhor que a política de morte.

Bolsonaro não quer retroceder nem conciliar. Nós também não queremos nada com ele. Chegamos ao limite e é preciso que ele seja impedido para que paremos de morrer. Além disso, para derrotar de fato o fascismo, precisamos disputar as consciências para diminuir o exército de cruzados dessa guerra cultural na luta das classes. Um grande movimento pelo impeachment agora, baseado nos crimes de responsabilidade cometidos por ele durante toda a pandemia, é um começo.

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Renato Roseno é Deputado Estadual (Psol- Ceará).


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