Eleição municipal acentua a derrota do bolsonarismo

 

(FOTO/ Evaristo Sa/ AFP).

Sopra de súbito uma brisa amena: as eleições municipais, que já supusemos secundárias, têm tudo para representar uma mudança de rumos a bem do Brasil. Central, nisso tudo, a ascensão de Guilherme Boulos e Luiza Erundina em São Paulo, a resultar da união das forças progressistas em torno de seu nome. Aquilo que para CartaCapital é óbvio tornou-se evidente aos olhos dos movimentos políticos que classificamos de esquerda, por sobre de miúdos interesses partidários em proveito de paróquias e facções.

Trata-se de uma mudança radical a consagrar o velho, surrado conceito de que a união faz a força. Determinante a postura do PT para entregar a Lula um papel de liderança maior ainda do que aquele que sempre exerceu à testa do seu partido. Desta vez, vem dele a decisão de passar por cima das questões de estrito interesse partidário para precipitar uma manobra que envolve, em primeiríssimo lugar, os corações e as mentes, muito além daqueles que em outros tempos teriam produzido fraturas entre os que agora se unem.

O exemplo é muito forte e claro, e irresistível no aliciamento. No caso de São Paulo, muitos não percebem a presença de dois inimigos, o bolsonarismo na sua demência destruidora e o reacionarismo tradicional das chamadas elites a pretenderem dirigir a locomotiva do Brasil. Os inimigos do progresso político e até do senso comum são dois, e ambos têm de ser enfrentados, como se dá neste momento sem dúvida alvissareiro.

Permito-me um exercício de ficção e tento imaginar na esteira do apoio declarado do Estadão ao candidato Bruno Covas, como se manifestaria a respeito o avô Mário Covas. Tanto na qualidade de parlamentar, finalmente cassado pela ditadura, que os jornalões invocaram, quanto como prefeito e governador, jamais contou com as simpatias do vetusto diário paulistano, muito pelo contrário. Está claro que, hoje, Mário Covas não aprovaria a escolha do neto, estaria ao lado de Boulos e Luiza Erundina.

CartaCapital, aliás, confirma seu apoio incondicional a ambos, em São Paulo, a Marília Arraes no Recife, a Sarto em Fortaleza, aos nomes indicados pelos governadores nordestinos e a Manuela d’Ávila, em Porto Alegre, indômita até os últimos capítulos deste enredo a enfrentar os fantasmas gaúchos, ciosos de tradições superadas e misóginos até o fundo da alma.

A benéfica novidade, a mexer com os elísios em benefício da brisa amena, é, de todo modo, a sintonia entre movimentos de esquerda, conforme o entendimento que hoje se atribui ao termo. Não são estes, em todo caso, dias favoráveis ao nosso grotesco presidente da República em um país que, ao mesmo tempo, bate recordes mundiais de má distribuição de renda e de infectados pela pandemia, na frente até dos Estados Unidos em matéria de Covid-19.

De Washington também chegam notícias desagradáveis para o atual governo, ou melhor, desgoverno brasileiro: o amado Donald Trump deixa a Casa Branca e assume Joe Biden. A despeito de toda a desconfiança aceitável em relação ao país da CIA, de Abu Ghraib e Guantánamo, de invasões inaceitáveis, parece certo que com Biden a política de Tio Sam com a América Latina será outra, distinta daquela de Trump. Por mais que me esforce, não consigo imaginar Biden entretido em conversa cordial com o nosso desastrado ex-capitão.

Sustentam alguns analistas que Bolsonaro pretende substituir Trump por outro grande da Terra, ou seja, Vladimir Putin. O qual, no entanto, está longe de interpretar um papel tão grotesco e mesmo ridículo como o ex-presidente dos EUA, despido de tradição e competências políticas, e sim de infatigável e nova-iorquina prosopopeia. É de se excluir de saída que a proteção de Putin possa realmente favorecer Bolsonaro.

O futuro não se afigura cor-de-rosa para o eleito de 2018, e a perspectiva da sua possível reeleição perde-se no horizonte. Talvez uma página da história deste país esteja na eminência de ser virada. É isto que nos propõem os fatos da cena nacional e internacional.

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Por Mino Carta, publicado na edição n.º134 de CartaCapital, em 27 de novembro de 2020.

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