Bruno de Castro: A morte de Chadwick e o valor da vida negra

 

Chadwick Boseman. (FOTO/ Reprodução).

Desde a confirmação da morte de Chadwick Boseman, nosso eterno Pantera Negra, minhas redes sociais, todas elas, foram soterradas por uma avalanche de postagens sobre a relevância da carreira do ator e a contribuição dada por ele à luta antirracista. Homenagens lindas e merecidas. E que é preciso estendermos para outras perspectivas.

Você, ao terminar de ler esse artigo, que, na verdade, é um pedido, um convite à mudança, lembre de enaltecer profissionais negros, famosos ou não, enquanto eles estão em vida. Legado é importante. Valorizar a luta dessas pessoas quando elas estão aqui, conosco, também. Até (e principalmente) para elas, diante das inúmeras dificuldades impostas pelo racismo, não esmorecerem e conseguirem alcançar ainda mais gente.


Todo dia, o tempo inteiro, algum profissional negro está perto de você. Enxergue. Dê conta da existência dele. Diga o quanto o admira. Aprenda algo com ele. Passe os ensinamentos dele adiante. Treine o olhar para entender que a morte dá significado à vida, mas a vida sem afeto perde muito sentido.

 

E a vida negra pesa. Chadwick, por exemplo, lutou silenciosamente contra um câncer por quatro anos. Morreu aos 42, no auge da fama, depois de tanto lutar contra a opressão da branquitude. Todo negro luta silenciosamente contra alguma coisa que o mata por dentro, do corpo e do espírito. Alguns sucumbem mais cedo. Muitos porque não suportam. Você não precisa ser um peso a mais nessa caminhada.

Valorize o silêncio quando estiver prestes falar algo que possa machucar a existência desse/a negro/a. Do trocadilho de duplo sentido “inofensivo” ao ataque escrachado. Ele, o silêncio, é uma joia rara para. Salva vidas. Milhares. Acredite.

Mas também valorize palavras de afeto. O mundo já nos diz o tempo inteiro que nós, negros e negras, não podemos, não devemos, não conseguiremos, não seremos. A cor da nossa pele chega em todo canto primeiro que a gente. E cada “não” que a gente recebe deixa uma marca profunda nela. A gente não precisa, portanto, que isso seja ainda mais doloroso com palavras ditas por quem está ao nosso redor.

Há milhares de Chadwicks por aí. Quase todos sem o reconhecimento conquistado pelo ator, que viveu muito mais do que o rei T’Challa, de Pantera Negra. Só enquanto esteve doente gravou nove filmes. E militou contra o racismo. E representou a negritude por onde passou. E não silenciou diante das violências e mortes de pretos.

Ressignifique a comoção da morte de Chadwick. Olhe em volta e perceba: quantos dos seus amigos são negros, quantos negros você segue na sua rede social favorita, com quantos negros você divide seu ambiente de trabalho, em quais setores da sua empresa eles estão (na limpeza ou na diretoria?), de quantos produtores negros você compra, quantos escritores negros você leu, por quais bairros da sua cidade você circula, que tipo de festa você frequenta (e acompanhado de quem), qual a cor do garçom que lhe serve no restaurante, que tipo de linguagem você usa…

A lista de desconstrução e reconstrução é extensa. Pra todos. Inclusive para nós, negros, que também precisamos treinar olhar e coração neste processo de valorização da própria etnia. Esse convite à mudança, então, é também para você, irmão preto. Dedique mais tempo da sua existência ao fortalecimento de uma luta que é por algo tão basilar: a vida.

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Publicado originalmente no Ceará Criolo.

Bruno de Castro é jornalista por formação. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação da Defensoria Pública do Ceará. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio MPCE de Jornalismo, ambos com reportagens sobre a população negra. É também escritor. No Ceará Criolo, atua como editor-geral de conteúdo.

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