Josyanne Gomes: Quem é, ou o que é a sociedade?

Josyanne Gomes. (FOTO/ Arquivo pessoal).

A sociedade cria conflitos e joga para os indivíduos resolver, mas quem é a sociedade?  É comum a gente falar que a sociedade é racista, que a sociedade é preconceituosa, que a sociedade é homofóbica, que a sociedade é machista, que a sociedade é gordofóbica, que a sociedade é capacitista, que a sociedade fabrica e vende uma série de tabus e, por aí vai. Falamos e agimos como se essa tal Sociedade fosse uma divindade, da qual nós fôssemos totalmente passivos em relação a ela.

Eu não consigo andar de mãos dadas com a Sociedade, no sentido real, físico, como eu andaria com uma pessoa, isso faz sentido, até certo ponto, não é mesmo?! Mas nem por isso significa dizer que a Sociedade é totalmente abstrata, ou que ela seja algo inalcançável do qual eu me refiro como se estivesse absolutamente isenta de suas repercussões e problemas.

Quando eu relato um caso de Racismo, ele é real, ele apresenta marcas, deixa cicatrizes e mata. Então eu não posso jogar a culpa de tudo na sociedade e ficar com a minha consciência tranquila como se de nada eu tivesse a ver com tudo isso. Percebem? Não é a Sociedade que fabrica e cria os indivíduos, mas somos nós indivíduos que (RE)Produzimos a sociedade a todo instante. E é muito curioso como a gente acredita no poder dessa Sociedade e ao mesmo tempo questiona a força individual. Vou já fornecer um exemplo, prático, se é que assim posso chamar.

Pensemos em algo básico e de fácil acesso para todos nós, Homens e Mulheres, apenas, deixemos as discussões biológica e de gênero para outro momento, e vamos nos compreender como seres humanos, independentemente daquilo que cada cultura apresenta, certo? Somos pessoas e isso foi algo construído socialmente, assim como os conceitos de beleza, de riqueza, de intelecto e etc.

Porém, algo que não está dado aí é o fato como as normas foram impostas para nós, essa dita Sociedade diz que mulheres devem ser quietas, calmas, servir e estar sempre com um belo sorriso no rosto. Diz ainda que devemos nos guardar virgem até o casamento, usar roupas com muito tecido, ou seja, cobrir todo o corpo, nos ensina como sentar, como se alimentar, como se vestir, como falar, como sermos donas de casa, ou melhor, com o sermos domésticas, como se relacionar, como tanta coisa que já cansei só de escrever.

Por outro lado, vejamos o que essa tal sociedade diz para os homens. Primeiro – que homem não chora, que homem deve estar preparado para o que der e vier, que homens são sempre durões, que homens devem beber muito, brigar quando necessário, ou sem necessidade mesmo só para mostrar que são homens, que devem ser pegadores, ops. Olha só a contradição aqui que a Sociedade nos faz pensar, se Homens devem ser os pegadores e as mulheres sempre belas, recatadas e do lar, quem esse homem vai pegar mesmo hein? Como resposta eu diria outros homens, já que a sociedade cria as mulheres para serem presas e os homens para serem livres, inclusive sexualmente.  

Não devemos nos espantar, pois a Sociedade nas suas entrelinhas nos apresenta essa alternativa como resposta lógica. Ora, ora, nesse momento haverá quem se manifeste “há mais homem com homem não pode, tá escrito não sei aonde, eu não tenho preconceito MAS...” Se você não tem preconceito, me explica então qual a necessidade de usar essa conjunção adversativa na sua fala, ou melhor, quem é você para dizer o que é o certo e o que é errado? Afinal, essa premissa é apenas uma invenção da Sociedade que você tanto idolatra e da qual julga não fazer parte, adorando os problemas que ela cria, mas se isentando das soluções, enquanto indivíduo.

Há, por essa vocês não esperavam não é mesmo? Mas vejamos só, esse foi apenas um mero exemplo de como a Sociedade joga com a gente e nos faz acreditar que ela é superior a nós. Agora vamos a outro exemplo comum de como essa dita cuja, tenta ludibriar a gente. Nosso país, como todos sabemos pertencia aos Índios, nossa língua era o tupi, nossos trajes eram tangas, nosso modo de se relacionar era poligâmico, nosso Deus eram os elementos da natureza, nossas casas eram ocas, e nós tínhamos tribos ao invés de classes sociais.

Mas a tal da civilização e colonização nos fez uma espécie de lavagem cerebral, não é por acaso que até professores costumam celebrar o dia do Índio como um evento folclórico. É muito comum também que a maioria das pessoas pensem que não existem mais índios, que índios são coisas do passado, primitivo, mal educado, essas pessoas são todas muito desinformadas, tadinhas. Mal sabem elas, que os povos Indígenas estão nas universidades, construindo conhecimento, apresentando artigos científicos, defendendo sua ciência e saber local, seu povo, sua gente, seus costumes, seus valores e riqueza.  

A sociedade cria um paradoxo, um não, vários, e paradoxo nada mais é do que pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião consabida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria e aparente falta de nexo ou de lógica; ou seja, é contradição.

Assim, como se imagina não existir mais Índios no Brasil, aqui temos também o mito da democracia Racial, como se não bastasse a perseguição a populações tradicionais e extermínio da cultura Indígena, ainda temos que lidar com o absurdo que é o racismo. Vejamos só a tal premissa, ou melhor – Paradoxo que a nossa Sociedade cria, lembrando que Sociedade por si só não se sustenta, o que existe são pessoas em relações umas com as outras e em interações sociais, produzindo cultura e (re)criando papeis sociais em contextos distintos e executados por realidades diferentes.

Com isto, quero dizer que a maioria das pessoas prefere fechar os olhos para atos racistas e assim dizer que o racismo não é real, logo temos aí uma conta que não bate, quando temos dados que escancaram as mortes por discriminação racial e racismo. Mas vejam só que equação desigual é criada pelas pessoas, talvez por todos nós, e resolvida por poucos. Uma vez que autoridades, instituições e população no geral fecham os olhos para o racismo, é como se ele deixasse de existir, e em tese, uma vez não existindo, não teria que se lutar contra ele. Percebem o grau de mal intenção que há por trás dessa sentença?

O pior de tudo isso, é que pessoas mal intencionadas ou intencionadas apenas pelo poder, agem de má fé e reforçam cotidianamente e a todo instante que somos um país miscigenado e, portanto livre do preconceito racial, quando sabemos que isso não condiz com a realidade em voga. Então vamos nos atentar para a seguinte questão; primeiro, Sociedade não se faz e não se sustenta sozinha – é preciso gente para mover a engrenagem girando. Segundo: se a gente faz de conta que está tudo bem e não discute essas questões, nada se resolve. A coisa (do racismo e preconceito no geral) só tende a ganhar um efeito bola de neve, e aumentar cada vez mais o número de pessoas que morrem brutamente em virtude desses crimes de ódio, que por sinal, calamos toda vez que dizemos que isso é papel da sociedade e agimos como se fôssemos extras terrestres.

Então vamos pensar mais e vamos nos posicionar, botem uma coisa na cabeça de vocês: não existe neutralidade, pessoal. Não existe Sociedade como algo distante e ausente de nós, não existe calar e esperar que o silêncio seja a solução e/ou resposta para tudo, porque sabemos muito bem que não é. Então façamos a nossa parte, vamos denunciar atos de violência e vamos lutar juntos e também de forma individual. Só não podemos é desistir e jogar a bola pra frente como se o problema não fosse nosso!  

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Josyanne Gomes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Regional do Cariri (URCA), mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professora e colunista do Blog Negro Nicolau.

Um comentário:

  1. Caríssima Josyanne Gomes, que mensagem interessante!
    Devo admitir que sou um fã incondicional de pessoas que conseguem tratar, em textos, de substantivos voltados para o abstrato: sociedade como conjunto de pessoas e pensamentos e sentimentos, doenças dominantes na atualidade como o racismo e homofobia.
    Acredito que, por mais que vejamos a sociedade, não conseguimos adjetiva-la como gostaríamos porque ela é viva. É como Maquiavel fala: hoje, manifesta-se como algo, amanha o algo é diferente. Como se, estivéssemos falando de objetos diferentes.
    Como professor, gosto de referenciar a sociedade como abstrata pelo fato de, para ela existir, faz-se necessário a existência do humano por trás. Quando levo a discussão para esse lado, percebo que, o racismo também segue a mesma linha: para existir racismo é necessário que antes, exista alguém que sofra dessa doença. A questão é que sociedade e racismo, ambos não existem se não for pela manifestação do pensamento egoico ou em conjunto de alguém. E é triste quando é egoico.
    Quando as receitas não vão bem, é comum, não querermos assumir que colocamos um pouco mais de fermento no bolo. Vemos que a "sociedade" é racista, homofóbica e várias outras coisas abstratas. Minha opinião é vã se não servir para mudar a realidade ao meu redor. Porém, para que ela mude é necessário que parta de mim essa mudança, e para que algo significante flua de mim, é necessário que eu compreenda que EU SOU A SOCIEDADE.
    Sem mim a sociedade continua existindo, porém sem meu ponto de vista e opinião, ela vagueia sem quem a veja e discuta. É importante que vejamos o bloco (por todos os lados, e devemos julgar de maneira equilibrada) e mostremos que podemos, que somos nós quem guiamos esse bloco para onde queremos.
    Estamos no caminho certo: educação. Aqui, em nossa profissão, temos oportunidade de nos enxergando espalharmos uma mensagem de libertação que transformará as futuras gerações. Mas quem dará responsabilidade a nós professores como agentes transformadores? Vão mais uma vez dizer: a sociedade evoluiu. Veja, dirão sociedade, jamais professores. O mundo generaliza quando grandes ações partem de indivíduos. Mas eu entendo, generalizar faz parte dos mecanismos de defesa que temos para não termos parte naquilo que culpamos.

    Parabéns, que texto rico!

    Geremias Carvalho.

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