“O SUS invisível”, por Cida Bento


Cida Bento. (FOTO/ CEERT).

Assistindo a programas jornalísticos sobre a Covid-19, nas redes de televisão, é possível observar que nunca é mencionado o sistema que oferece a maioria dos dados, imagens e especialistas que aparecem e dão consistência às reportagens: o SUS —Sistema Único de Saúde.

Por que o SUS, tão presente em nossas vidas neste momento, vem sendo invisibilizado? A marca SUS praticamente não aparece nas fachadas dos hospitais públicos, ou em seus ambulatórios e centros cirúrgicos, ou nos jalecos dos médicos, ou nas ambulâncias do Samu, nos uniformes dos socorrista...?

Um sistema responsável, diretamente, pela saúde de mais de 150 milhões de pessoas, desenvolvendo ações de vigilância, disponibilizando medicamentos e fazendo atendimentos de alta complexidade, que beneficiam praticamente todos os brasileiros, e estudado e replicado em diversos lugares do mundo. Por que o silêncio sobre o SUS?

Custeado pela União, estados e municípios, o SUS é um sistema público, gratuito, universal; é um direito social, e provavelmente por essa razão vem sendo invisibilizado e atacado.

Caco Xavier e Paulo Capel Narvai destacam em excelente artigo que há um investimento na desconstrução da marca do SUS para viabilizar negócios transformando cuidados de saúde em mercadorias. Para isso, é necessário produzir uma imagem negativa do SUS, e atacá-lo.

Pudemos acompanhar esses processos de ataque às políticas públicas, em particular ao SUS, no descredenciamento de laboratórios que forneciam medicamentos de alto custo para pacientes transplantados e no encerramento do Programa Mais Médicos, o que afetou milhões de pessoas.

É preciso lembrar que grande parte de nossa população mora em favelas e depende quase exclusivamente do SUS (80%) para ter acesso a serviços na área da saúde. Segundo o IBGE, 52,1 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita de R$ 387 mensais (2016). E essa pobreza atinge principalmente crianças e adolescentes de 0 a 14 anos (42%), homens e mulheres negras (67%) e mulheres negras chefes de família com filhos (64%).

A maior parte dos serviços de saúde em favelas ocorre em unidades de Atenção Primária de Saúde, cujo trabalho envolve a atuação de equipes de saúde da família e de agentes comunitários de saúde, segundo o Dicionário de Favelas Marielle Franco. Esse último é um programa criado em 1991 objetivando melhorar o acolhimento dos usuários do sistema de saúde, com pessoas da própria comunidade treinadas para exercer funções no sistema e encaminhar os pacientes para profissionais especializados.

O grande objetivo é o fortalecimento da atenção básica, que desloca o foco do sistema de saúde da cura para a prevenção, com menor custo e mais interação com a comunidade. Esse objetivo se choca frontalmente com a intenção evidente do governo de privatizar a atenção básica de saúde, no país.

Assim é que mais de 25 organizações da sociedade civil ingressaram, em 17/3, no STF, solicitando suspensão imediata da emenda constitucional 95 —aquela referente ao congelamento dos gastos públicos por 20 anos— argumentando que o desmonte sistemático da “rede de proteção social” construída no Brasil ao longo dos últimos anos —onde se encontra o SUS— torna-se hoje grave obstáculo para o enfrentamento eficaz da pandemia de corona vírus, podendo levar o sistema de saúde e outras políticas sociais ao colapso.

Esse cenário nos leva a relembrar o que Achille Mbembe definiu como “necropolítica” —que se explicita quando os governos decidem sobre quem viverá e quem morrerá, e mais, de que forma viverão e morrerão.
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Com informações da Folha de S. Paulo e do Ceert.

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