A democracia está à espreita e seu caminho é o ataque ao congresso, por Maria do Rosário


Bolsonaro em live no Facebook. (FOTO/ Reprodução).

No Brasil, os fatos políticos costumavam ser chamados pelo nome e representados em datas. Assim, 1964 foi o ano do golpe civil-militar que instalou a ditadura, a democracia que sobreveio a este período foi composta em pedaços: 1985 com a presidência civil mesmo que via colégio eleitoral, 1988 com a constituinte e 1989, com a primeira eleição direta para o comando do país.

A retomada da escolha direta dos governantes nos tornou um país de eleitores e eleitoras, mas a inércia dos primeiros anos pós-constituição pelas restrições neoliberais sobre o Estado, na década de 1990, somada à cultura nacional autoritária, impediram o país de tornar-se uma nação de cidadãos e cidadãs.

Entre 2003 e 2014, pela primeira vez o sistema democrático transcendeu os processos eleitorais em direção à garantia de direitos econômicos e sociais. O contexto de expansão democrática não representou uma correlata mudança nos valores culturais sobre a democracia. Assim, o país viveu todo o período num descompasso entre a democracia política e suas demais vertentes, sem uma participação efetiva e organizada da sociedade nas decisões políticas.

A ideia de que o Estado autoritário é que mantém a segurança está presente em parcela populacional para a qual a violência de agentes públicos é vista com naturalidade, assim como o alto número de mortes de pobres, negros, jovens periféricos. Quem pensa assim é capaz de aplaudir quem aplaude torturadores. Quem age assim, ano após ano, responde à pesquisas que indicam a redução de confiança na democracia. No início afirmava que ela seria irrelevante, agora sustenta que ela é desnecessária, logo mais dirá que suas instituições são um estorvo e marchará novamente pela ditadura nas ruas.

Essa escalada não foi espontânea.

O presidente convoca ato pelo fechamento do Congresso e mostra que o parlamento já está afetado pelo autoritarismo.

A partir de 2013 entrou em cena o plano para desestabilização política das instituições. A elite nacional, associada a interesses externos, avaliou que seus interesses imediatos estavam em risco diante da persistente crise econômica global, contexto que contrastava com a manutenção de políticas de distribuição de renda e garantia de direitos vigentes no país.

O modelo de “impulsionar renda para formar um mercado interno pujante” onde todos estavam ganhando, exigiria a contínua ampliação de investimentos orçamentários para os mais pobres. Só assim se manteria a diretriz de superar s desigualdade estrutural no Brasil. A sustentabilidade deste modelo também exigiria a continuidade e ampliação de investimentos educacionais para a superação Inter geracional da miséria.

O projeto de desenvolvimento nacional esbarrou não apenas em interesses econômicos imediatos contrariados, mas na histórica deformação das elites nacionais que são parte de uma cultura de opressão, mais elitista e menos de responsabilidade para com a nação.

Uma cultura antidemocrática que é por natureza excludente. A moral dominante se compadece dos que têm fome de comida e até aceita que sejam alimentados, mas não admite que os oprimidos deste país sequer sintam fome de autonomia, muito menos que busquem saciá-la nas escolas, universidades, na ciência, no saber.

No plano traçado, as eleições de 2014 seriam para interromper este processo. Mas 2014 deu vitória para Dilma, resultado que não estava no script. Os donos do plano então perceberam que o PT não sairia tão cedo por via eleitoral. Aí, entre 2014 e 2016 o Brasil viveu a “democracia em vertigem”.

Desde 2016 vivemos um tempo híbrido, no qual o Brasil pode ser caracterizado de várias formas, nenhuma capaz de mostrar um contínuo entre o antes e depois do golpe institucional midiático daquele ano.

No entanto, parece ser parte da ilusão de ótica destes tempos, que muitos sigam com dificuldade de acreditar no que finalmente veem: de 2016 pra cá, a democracia como a experimentamos no país, acabou.

Desde 2018 o país passou a uma etapa da história na qual figuras contra a democracia, que chegaram ao poder pelo voto, possuem poder para sabotá-la. Alguns fatos e datas, dirimida a névoa de desagregação que espalham no país, mostram claramente como o autoritarismo em ação provoca contradições e dúvidas.

Em 2018 tivemos eleições, mas elas não foram livres de fato. É reconhecido que a dinâmica eleitoral daquele ano sofreu interferência por manipulação judicial nos processos contra Lula, e por ação midiática dos disparos em massa de fakes via WhatsApp contra Haddad, tudo para favorecer o candidato da extrema-direita. Isso definitivamente não é da democracia.

Por outro lado, o Congresso Nacional parece em funcionamento normal na legislatura que iniciou em 2019. Pode ser um elemento da democracia, mas os ataques de Bolsonaro ao Congresso mostram que não é bem assim. O presidente da república agora convoca ato pelo fechamento do Congresso e mostra que o parlamento já está afetado pelo autoritarismo.
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