Professor Nicolau Neto conversa sobre políticas públicas e relações étnico-raciais na educação com altaneirenses


Professor Nicolau em conversa com altaneirenses sobre políticas públicas e
relações étnico-raciais na educação. (FOTO/ João Alves).

Texto: Valéria Rodrigues

Na manhã desta quarta-feira, 20, docentes, estudantes, secretários e secretárias do município de Altaneira, diretores das escolas da rede municipal e estadual e demais servidoras/es públicos reuniram-se no auditório da Secretaria de Assistência Social para participarem de uma conversa com o professor e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras pelo Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Nicolau Neto.


O momento faz parte das atividades relacionadas a uma lei municipal (674) sancionada em 2017 que instituiu ponto facultativo nos setores públicos no dia 20 de novembro, especialmente na educação e na cultura precedida de atividades diversas relacionadas ao fortalecimento da consciência negra e de denúncias do preconceito, da discriminação e do racismo.

Políticas Públicas

Nicolau conceituou de forma ampla “políticas públicas”, afirmando estas serem um conjunto de projetos, programas e ações tomadas pelo poder público constituído (municipal, estadual e federal) influenciados direta e indiretamente pela sociedade civil organizada que tenham por finalidade assegurar o direito a equidade de oportunidades a grupos historicamente excluídos da sociedade. O professor ainda mencionou a diferença entre políticas públicas de governo e políticas públicas de estado. A primeira é posta em prática com determinados governantes e cessa quando há alternância de mandato e a segunda é toda aquela que independe da mudança de governante.

Políticas públicas voltadas para uma educação antirracista

A luz das relações étnico-raciais e de gênero no campo da educação, Nicolau se concentrou naquelas que podem ser consideradas avanços e conquistas sob a regência dos movimentos negros e indígenas. Essas discussões, no entanto, apesar de estarem sempre em pauta, principalmente nas décadas de 60 e 70, só vieram a serem colocadas em legislações educacionais nos anos 2000. Em que pese as LDBs – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o professor destacou que as primeiras, surgidas ainda no período da ditadura civil-militar não mencionaram nada que reforçassem o papel da educação que é contribuir também para a valorização da diversidade étnico-racial e, portanto, para a extinção das desigualdades raciais no país. Para ele, vieram apenas com a Constituição Federal vigente (1988). 

Mas ainda assim, a LDB de 1996, mesmo com todos os avanços não permitiu que a construção de uma educação antirracista e de reconhecimento e valorização da história de povos historicamente discriminados. “Foi preciso uma lei específica para tal”, disse ele ao se referir a alteração na LDB proporcionada pela Lei Federal 10.639/2003, que tornou obrigatório a inserção nos currículos escolares (públicas e privadas) de conteúdos concernentes a História e Cultura Africana e Afro-brasileira.

Altaneirenses na palestra do professor Nicolau Neto. (FOTO/ João Alves).

Ainda em 2003 foi instituído o dia 20 de novembro como um momento para analisar e refletir sobre as conquistas e as demandas dos povos negros.

Cinco anos depois, pontuou Nicolau, veio a Lei 11.645 que versa sobre a obrigatoriedade da inserção nos currículos escolares (públicas e privadas) de conteúdos concernentes a História e Cultura Indígena.

Para o ativista, todos os ajustes e acertos de contas reforçam o quanto o Brasil é um país racista e que faz de tudo para rejeitar toda e qualquer ação que faça referência as nossas raízes – negras e indígenas. As leis que tornam obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e indígena nas instituições de ensino ainda não vingou mesmo depois de 16 e 11 anos, respectivamente. O nosso ensino ainda é pautado e cunhado pelo viés do povo branco, do europeu. E muitas escolas ainda não obedecem a lei, seja por não cumprir, seja por cumprir de forma parcial. “Se fizermos uma pesquisa, constataremos que mais de 90% delas não cumprem as leis supracitadas da forma correta”, realçou.

Nicolau Neto em conversa com altaneirense. (FOTO/ João Alves).

As cotas raciais, por exemplo”, mencionou, “ainda é um tabu”. Pouco se discute e as pouquíssimas universidades que incluíram esse sistema de seleção nos vestibulares são taxadas de favorecer a desigualdade e citam inclusive a CF/88 para isso, pois segundo ela todos somos iguais. Para reforçar seu pensamento citou o antropólogo Kabengele Munanga que em entrevista cedida ao portal Fórum em 2012 ressaltou:

O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito..”

"Na verdade", disse o professor, "quando falamos em igualdade, estamos nos referindo a igualdade de oportunidades. Somos diferentes e precisamos ser reconhecidos, respeitados e valorizados nessa diferença". Outras ações foram destacadas como o Estatuto da Igualdade Racial de 2010 e a própria criação da Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), hoje extinta. 

Nicolau ponderou que todas essas ações tiveram os movimentos negros e indígenas como protagonistas, mas que ainda assim, a equidade racial não é vista da forma que se pretende. "Temos ainda uma supremacia branca em todos os espaços de poder. Por isso, a importância de momentos como esses para que se possa construir de fato e de direito uma sociedade mais diversa", arguiu.

O Dever de construirmos uma sociedade antirracista

Sua fala foi precedida do poema “Guerreiro”, de Luiz de Jesus e encerrada citando o professor Boaventura de Sousa Santos – “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Para Nicolau, é nessa ambiência que temos que nos situar e nos posicionar, afinal, lembrando a filósofa Angela Davis que afirmara “numa sociedade racista, não basta não ser racista é necessário ser antirracista”. O ativista ainda completou com o poema de Bertolt Brecht, que ressalta a falta de empatia.

O professor sugeriu para o próximo ano que o poder executivo desenvolva uma Conferência sobre Educação e Relações Étnico-Raciais e que o poder legislativo promova audiência pública sobre o combate às desigualdades raciais nos espaços de poder, se não houver resistência de servidores visto tratar-se de ponto facultativo.

O momento foi aberto pelo secretário municipal de governo, Deza Soares, que destacou a importância da lei municipal para refletir sobre as temáticas em evidência.

Leocádia Rodrigues e Luiz Pedro, secretária de educação e secretário de cultura, respectivamente, além do próprio Deza, do professor Everton Amorim e do radialista João Alves contribuíram com a discussão após a fala de Nicolau. A noite foi exibido em praça pública o filme "Vista Minha Pele", de Joel Zito Araújo e "A procura da felicidade". 

Clique aqui e confira outras fotos do evento sob as lentes de João Alves.
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Valéria Rodrigues possui graduação com bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e licenciatura na mesma área também pela URCA. Exerceu à docência na Escola de Ensino Médio Padre Luís Filgueiras até 2013 e na Escola Estadual de Educação Profissional Wellington Belém de Figueiredo entre 2014 e 2016, ambas em Nova Olinda –CE. Nesta última, além da professora foi também diretora de turma no curso técnico em edificações. Em 2015 presta concurso público em Altaneira para o cargo de Agente Social. Com a aprovação, casa-se em 2016 com Nicolau Neto e resolve fixar residência no município. Desde então, Valéria passou a ser não apenas leitora do Blog Negro Nicolau (BNN), mas também correctora ortográfica, colaboradora na página "Curiosidades" e agora atua também como colunista.

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