Curso de Pedagogia da URCA (Parfor) promove roda de conversa com o professor Nicolau Neto e universitárias


Curso de Pedagogia da URCA promove roda de conversa com o professor
Nicolau Neto e universitárias. (FOTO/Valéria Soares).

Texto | Nicolau Neto

O Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri (URCA), através do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) promoveu durante toda a tarde deste sábado, 31 de agosto, uma roda de conversa com o professor especialista e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, Nicolau Neto e com as universitárias Ana Karolyne e Júlia Simão.

O encontro foi pensado pela professora Doutora Cicera Nunes, vinculada à Universidade Regional do Cariri (URCA) que ministra o componente curricular obrigatório Educação e Cultura Afrodescendente no curso de Pedagogia. Segundo a professora, a disciplina possui 72h/a, ofertado na forma presencial na Escola Padre Cristiano Coelho, no município de Nova Olinda e envolve professoras da educação básica dos municípios de Nova Olinda e Assaré.

Até agora nós já trabalhamos vários aspectos da história e da cultura africana. A primeira coisa que é preciso destacar para elas é que a África não é um país, mas um continente”, disse. “Já conseguimos desenvolver junto as professoras oficinas de confecção de bonecas negras, discutimos o filme Kiriku e a Feiticeira, onde pudemos destacar uma filosofia de origem africana que demonstra um menino com ideias humanitárias ao se preocupar com seu lugar de morada. Apresentamos também Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri, além de pontuar como pode ser trabalhado as temáticas referentes a história e cultura africana e afro-brasileira em várias áreas do conhecimento”, destacou ela ao receber Nicolau, Ana Karolyne e Júlia Simão.

O professor Nicolau trouxe para a discussão um recorte sobre sua fala apresentada em junho de 2018 na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campus Cajazeiras (PB), acerca do papel dos movimentos negro e sua relação com a educação e trouxe como incremento o movimento negro no Cariri cearense e suas ações.

Para Nicolau, é preciso partir da premissa de que enquanto coletividade, que promove ações políticas, educacionais e culturais, ele (movimento negro) reeduca a si próprio, a sociedade e o estado acerca das relações étnico-raciais no país. Os movimentos negro tem que ter um objetivo explícito e não pode fugir dele, tratando-se de emancipar os sujeitos que sempre tiveram e ainda tem sua história negativada. É a partir dessa perspectiva que esses movimentos podem e devem atuar, como sujeitos políticos que politizam, emancipam e ressignificam as relações raciais. 

Nicolau Neto, Júlia Simão e Ana Karolyne durante roda de conversa no curso
de pedagogia da URCA. (FOTO/Valéria Soares).

O professor fez menção as várias formas de atuação e de mudança pela qual passaram os movimentos negros, tendo como recorte temporal a Proclamação da República onde o pensamento europeizante era mais sentido. Ao citar a pedagoga brasileira Nilma Lino Gomes, Nicolau afirmou que a partir dos anos 80 do século passado houve confluência de determinados fatores do racismo, principalmente durante a ditadura civil-militar, que permitiram a formação de uma organização coletiva de caráter nacional, como o Movimento Negro Unificado. É aqui que ativistas negras e negros vivenciam uma trajetória acadêmico-político, tendo intelectuais engajadas/os e com pesquisas sobre o povo negro e suas historicidades sendo ressignificadas.

Essas pesquisas, para Nicolau, acabaram revelando uma realidade brasileira que incomoda e é fruto de um racismo estrutural. Para ele, a escola deve ser muito mais que um ambiente fechado entre quatro paredes e é preciso dar conta dessa realidade. Muitos problemas que a escola apresenta hoje como a evasão escolar tem correlação com o racismo. 


Nos livros didáticos alunas e alunos negras e negros não se veem representados, não possuem referências. Outras/os sofrem racismo e há ainda aquelas/es que precisam escolher entre estudar e ajudar a família em casa. Essa realidade é muito mais presente entre a juventude negra que acabam desistindo da escola”, pontuou Nicolau.

Para além dessa realidade o movimento negro cobrou e em virtude de muita luta algumas conquistas aconteceram como por exemplo, a Lei 10.639/03, as cotas raciais, as cotas nos concursos públicos e o Estatuto da Igualdade Racial. “Elas representam mecanismo de reconhecimento do racismo e ao mesmo tempo significa medidas de combate às desigualdades raciais”, sustentou Nicolau. Ainda frisou no campo dos avanços, o I Seminário de Ações Afirmativas: a Implantação do Sistema de Cotas realizado na URCA em fevereiro de 2017.

Em que pese às ações movidas pelos movimentos negros no Cariri cearense, ele focou no Grupo de Valorização Negro do Cariri (GRUNEC) e no Grupo de Mulheres Negras do Cariri – Pretas Simoa.

O primeiro foi formado em 2001 quando algumas pessoas conversavam sobre as desigualdades raciais após uma aula de natação e em uma reunião na garagem da casa de um deles, propuseram se juntar e criar algo que representasse um desejo de mudança nas estruturas da sociedade que é patriarcal, elitista e profundamente racista. Dessa ideia nasce o GRUNEC com um objetivo nítido de promover a igualdade étnica/racial e a auto-estima da população negra na Região Caririense, além de propagar a consciência sobre nossa afrodescendência, valorizando a história e a cultura de nossos ancestrais.

O professor citou algumas ações do GRUNEC como a 1ª Audiência Pública Federal no ano de 2007 que visou discutir a implementação da Lei nº 10.639/03, reunindo representantes de 42 municípios da Região do Cariri; o 1º Seminário no Crato para discutir a Igualdade Racial em 2005; Anualmente realiza a Semana da Consciência Negra; O Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri realizado junto com a Cáritas Diocesana de Crato; promove cursos para geração de emprego e renda e é um dos realizadores do Congresso Artefatos da Cultura Negra que este ano está em sua décima edição. Para ter mais informações sobre o GRUNEC clique aqui.

Cícera Nunes, Nicolau Neto, Valéria Soares, Júlia Simão e Ana Karolyne.
(FOTO/Cícera Nunes).

O Pretas Simoa é um coletivo de mulheres negras formado por dissidentes do Grunec e outras mulheres que já tinham um ativismo forte em movimentos estudantis e que ganhou destaque a partir do enfrentamento de um caso de racismo na URCA. “Em 2014”, conta Nicolau, “um universitário encontrou no banheiro desta instituição pichações com conteúdo racistas a sua pessoa. Como esse estudante possui problemas de saúde ao se deparar com aquela situação teve convulsões. O Pretas Simoa chegou a realizar diversas intervenções na própria universidade e nas redes sociais cobrando um posicionamento e uma ação efetiva da comunidade acadêmica sobre o caso”. Para saber mais sobre esse coletivo é só clicar aqui.

O Pretas Simoa tem esse nome para homenagear a “Tia Simoa”, uma negra liberta que, ao lado de José Luís Napoleão, seu esposo, liderou os acontecimentos de 27, 30 e 31 de janeiro de 1881, em Fortaleza. Esse episódio passou para a História como a “Greve dos Jangadeiros”, onde se decretou o fim do embarque de escravizados naquele porto, fato que acabou definindo os rumos para a abolição da escravidão na então Província do Ceará.

Já Ana Karolyne, estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Júlia Simão, estudante de Ciências Sociais na Universidade Regional do Cariri (URCA), convidadas de Nicolau, expuseram suas experiências de luta nos coletivos negros e de mulheres negras e destacaram uma história negativada quando o assunto é o negro no Brasil. Elas apresentaram o histórico recente da Rede de Mulheres Negras do Ceará e do Coletivo Regional Pretas Kariri, que ambas fazem parte.

Indagadas pela professora Cicera Nunes como teria ocorrida o processo de empoderamento, elas afirmaram que é recente. Segundo Júlia, tudo começou em 2017 no segundo ano do ensino médio. “Comecei a analisar que não tínhamos em quem nos espelhar, não tínhamos referências negras. E isso não mudou muito quando entrei na universidade”, disse.

Já Karolyne, destacou que antes tinha o costume de alisar o cabelo. “Eu não gostava daquilo, era só para ter a sensação de que ele estava liso”. Ela conta que começou a mudar de postura quando entrou na Escola de Educação Profissional Wellington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda, a partir das aulas do professor Nicolau. Ela conta que participou dos projetos desenvolvidos pelo professor e que começou a usar o cabelo de forma natural e que não mais o alisou. “Até faço vários estilos de cocós. As pessoas me chamam de cocó por conta disso”, ponderou. Por fim, algumas estudantes/professoras do curso de Pedagogia PARFOR também se posicionaram sobre a importância dessa temática nas suas trajetórias de formação.

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