Nas eleições, o Brasil estará entre um futuro e a mesmice


(Paulo Pinto/ Fotos Públicas).

A leitura dos intérpretes do Brasil, particularmente de Raymundo Faoro, nos permite concluir que a história brasileira anda em círculo e, a rigor, permanece sempre no mesmo lugar. Não há uma espiral capaz de projetar o País para o futuro. De décadas em décadas ocorrem pequenas rupturas na linha desse círculo, mas logo são recompostas, seja pela via do recurso às armas, seja de arranjos conciliadores ou de golpes parlamentares-judiciais, como foi o último caso.

O caráter circular da história brasileira é impositivo, determinado pela vontade das elites, cujos grupos hegemônicos podem variar, mas mantêm sempre o mesmo objetivo: aprisionar o Estado e usá-lo como instrumento de acumulação de capital, numa relação de extorsão contra a sociedade e contra os trabalhadores, lançando mão de vários mecanismos para alcançar as metas.

Os resultados desses processos têm se traduzido na ausência de um Estado universalizante, na precariedade dos direitos sociais, civis, quando não dos políticos. Numa ordem jurídica e policial enviesada contra os pobres, os índios, os afrodescendentes, as mulheres e outros grupos minoritários. Na perpetuação da desigualdade e da pobreza. No fomento proposital na produção de carências em áreas como saúde, educação e cultura. Na inviabilização do desenvolvimento industrial e tecnológico e na degradação ambiental.


A história tem mostrado que os grupos de interesse que lideram esse verdadeiro assalto ao Estado se alternam e se compõem, ora as elites agrárias, o estamento, setores industriais, comerciais, militares, setores financeiros, e assim por diante. De modo geral, esses setores se compõem com interesses internacionais de forma subalterna para bloquear a projeção global do País.

O tucano Alckmin provavelmente absolverá os votos anti-Lula. Dúvida: Ciro Gomes e o ex-presidente serão capazes de formar uma aliança? (Foto: José Antônio Teixeira e Wanezza Soares).
Os instrumentos fiscais regressivos, os subsídios, políticas públicas igualmente regressivas, a sonegação e a corrupção são os meios prediletos que esses grupos utilizam para se apoderar dos recursos retirados da sociedade, intermediados pelo Estado e entesourados e capitalizados por essas facções predatórias das elites.

A livre competição de mercado por meio de métodos racionais e um capitalismo ascendente orientado pela inovação passam longe das terras brasileiras. O discurso liberal sempre foi uma farsa para acobertar o assalto aos recursos públicos. Os destinos do Brasil enquanto nação, o seu lugar no mundo e o bem-estar do povo não são preocupações fundamentais desses grupos particularistas.

Apenas em três momentos foi possível produzir tênues rupturas na linha circular da nossa história: com Getúlio Vargas, que teve de lançar mão de instrumentos de força para se impor. Com João Goulart, que chegou à Presidência pelas circunstâncias do acaso.

E com Lula, que, pela sua liderança e seu carisma, gerou imensa esperança entre os pobres e espoliados do nosso povo. Apesar de se compor com grupos das elites, a continuidade desses processos no sentido de usar o Estado como meio de universalização de direitos, de justiça e de igualdade foi interrompida pelos golpes militares ou judicial-parlamentares.

A condição necessária para o Brasil ter um futuro minimamente razoável consiste na superação da pobreza e da desigualdade, na garantia de direitos, na revolução educacional (condição de um salto tecnológico) e no acesso à saúde e educação para o povo. Somente a superação desse nó será capaz de gerar emprego, renda e inclusão de forma mais sustentável e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social.

A grande batalha política e ética de 2018 consiste em saber se faremos uma aposta nessa possibilidade de futuro ou se vamos permanecer na mesmice do círculo histórico que nos aprisiona. A questão dramática que se apresenta é que ainda estão em curso desdobramentos do golpe judicial-parlamentar, cujo principal ponto consiste em barrar a candidatura do único com chances eleitorais de chegar lá e provocar uma fenda nesse círculo perverso: Lula.

Com Lula na liderança de todas as pesquisas, com Jair Bolsonaro em segundo lugar, com o governo incapaz de gerar um polo atrativo de poder, com um candidato de centro-direita como Geraldo Alckmin apresentando dificuldades e com o fracasso do aventureirismo do novo via João Doria e Luciano Huck tem-se aqui um retrato de como deverá marchar o cenário até o início da campanha. Podem surgir em variações aqui e ali, se apresentarem novos candidatos, mas mudanças substantivas deverão ocorrer  somente após o início da campanha. A Lava Jato deve continuar a produzir alguns efeitos sobre esse ambiente.

Se o cenário se definir em torno das candidaturas que estão mais ou menos postas, sem a entrada de uma grande novidade, de um outsider que tenha a capacidade de desequilibrar, mesmo com todas as dificuldades apresentadas pela candidatura Alckmin, o fato é que o efeito contágio que a figura de Temer e de seu governo suscitam deve levar o centro-direita a se articular com o candidato tucano em uma chapa PSDB-PMDB. Seria a chapa do golpe. Assim, aos  poucos, Alckmin tenderá a ser o desaguadouro das articulações e dos votos anti-Lula. Sem estrutura e com um perfil agressivo que beira a violência, Bolsonaro irá aos poucos se desinflar.

Não se pode aceitar com naturalidade um Judiciário parcial, liderado pelo STF, que rasgou a Constituição em diversos momentos ao longo dos últimos anos. (Foto: Nelson Jr/STF).
Se nada de extraordinário surgir, a tendência é a de que haverá um segundo turno entre Lula e Alckmin, repondo a polarização das duas últimas décadas. Além da movimentação dos candidatos, haverá uma disputa preliminar para a montagem das duas frentes. Lula deveria buscar agregar todo o campo democrático e progressista e tentar cindir o PMDB, capturando parte dele.

Uma questão que surge é se Lula e Ciro Gomes poderão se compor. Do ponto de vista dos interesses sociais e do futuro do País, a composição é desejável e necessária. As idiossincrasias pessoais de um e de outro deveriam se submeter aos ditames do interesse da sociedade. Líderes autênticos, em regra, devem submeter os seus humores pessoais às determinações dos interesses da sociedade e do País.

O campo que apoia Lula precisa enfrentar outras batalhas.

A mais importante consiste em garantir sua candidatura, mesmo que pela força das mobilizações de rua. A interdição de sua candidatura deve ser algo inaceitável e essas forças devem estar dispostas a produzir um impasse se sua candidatura não for acolhida. É preciso deixar claro que uma eleição sem Lula será ilegítima e que isso abrirá as portas para a desobediência civil e para a exasperação dos conflitos sociais e políticos.

Não se pode aceitar naturalmente as decisões e o jugo de um Judiciário parcial e persecutório, que contribuiu para destruir a constitucionalidade do País. Um Judiciário que tem na sua cumieira o STF, que rasgou a Constituição ao entregar ao Senado e à Câmara dos Deputados o poder de decisão judicial para salvar Aécio Neves e outros corruptos.

O outro desafio da candidatura Lula consiste em construir um programa que supere os limites do que foram os 13 anos de governos petistas. Além de enfrentar de forma mais contundente os desafios da desigualdade, da pobreza, do trabalho, da renda, dos direitos, com destaque para educação e saúde, esse programa deveria ter uma forte ênfase reformista.

Em dois sentidos: 1. Remoção dos mecanismos iníquos que geram a desigualdade e a injustiça. 2. Reconstruir as instituições e a economia, buscando criar um Estado ágil, eficaz e confiável e uma economia sustentável, compatibilizada com os desafios tecnológicos, sociais e ambientais do século XXI.

Somente assim o Brasil poderá almejar um lugar melhor no mundo. As candidaturas dos partidos de esquerda terão um papel importante para pressionar Lula e o PT a saírem dos limites a que se enredaram nos 13 anos de governos petistas. Farão isso se apresentarem programas sérios, viáveis e se fizerem um debate convincente com a sociedade. (Por Aldo Fornazieri, na CartaCapital).

*Aldo é professor da Escola de Sociologia e Política (FespSP)

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