Diva
Guimarães, mulher negra e pobre, rouba o microfone e deixa Lázaro Ramos em
lágrimas. Essa poderia ser a descrição de uma das cenas mais emocionantes da
Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Porém, o momento vai muito
além: Diva é um retrato do Brasil que resiste.
Do Huffpostbrasil - Em
meio a uma palestra que ocorria na tarde desta sexta-feira (28), a professora
deixou o público emocionado e foi recebida com muitos aplausos ao contar um
pouco de sua história.
"Eu fiquei muito emocionada que você chamou atenção de que estamos em uma plateia de maioria branca. Sou do sul do Paraná, você já pode imaginar... Só sobrevivi porque tive uma mãe que passou por toda humilhação para que os filhos pudessem estudar. Fui para um colégio interno aos cinco anos. Passavam as freiras, as missões pelas cidades recolhendo as crianças como se fosse assim... Em troca de você ir para essa escola estudar, na verdade você ia para trabalhar. Eu trabalhei duro desde os cinco anos. Sou neta de escravos. Aparentemente a gente teve uma libertação que não existe até hoje."
A
professora falou sobre situações de preconceitos que enfrentou ao longo da vida
por ser pobre e negra. Ela, que desde criança foi ensinada sobre o que era a
desigualdade, afirmou que amadureceu aos seis anos ao ouvir de uma das freiras
uma história que a marcou por toda vida.
A
anedota servia para justificar o injustificável, o racismo.
"As freiras contavam que Jesus - eu demorei muito para aceitar o tal de Jesus -, Deus, criou um rio e mandou todos tomar banho na água abençoada daquele maldito rio. Ai, as pessoas que são brancas é porque eram trabalhadoras e inteligentes. Nós, como negros, somos preguiçosos. E não é verdade. Esse país só vive hoje porque meus antepassadas deram toda a condição. Então, nós, como negros preguiçosos, chegamos no final dos banhos e no rio só tinha lama. E é por isso que só nossas palmas da mãos e pés são claras. Nós só conseguimos tocar isso."
E
prosseguiu:
"Ela contava essa história para mostrar aos brancos como nós eramos preguiçosos. E não é verdade. Porque senão nós não tinhamos sobrevivido."
No
final da fala, Diva volta a relembrar sua mãe e a importância de estudar. Para
ela, ter acesso à educação foi definidor para que pudesse construir sua própria
trajetória.
"Eu sou uma sobrevivente pela educação. E pela minha mãe. Ela me pedia: 'Olha bem pra mãe. Se você quiser ser como a mãe, não vá para a escola'. E eu dizia: Não vou ser igual a senhora. Então ela me mandava ir estudar. Eu ia correndo para a aula."
No
final do diálogo, o ator Lázaro Ramos não conteve a emoção: "Meu coração
ficou pequeninho."
Sob
aplausos da plateia, Lázaro defendeu a educação pública e a valorização de
todos os professores do Brasil.
Sobre
o evento
A
15ª edição da Flip ocorre entre 26 e 30 de julho, na cidade histórica do
litoral sul do Rio de Janeiro. Paraty será palco de reflexões e debates sobre
as atuais narrativas produzidas no Brasil e no mundo.
Com
curadoria da jornalista Josélia Aguiar, o evento literário mais importante do
país abre neste ano espaço inédito para a diversidade de vozes da literatura
negra.
E
não só isso.
Pela
primeira vez em sua história, a Flip traz um número de autoras que supera o de
autores. Serão 22 mesas com 46 autores, dos quais 22 são homens e 24 são
mulheres.
O
escritor homenageado deste ano será Lima Barreto (1881-1922), autor marginal
cuja trajetória foi marcada pela crítica contundente ao cotidiano racista e de
segregação social no Brasil.
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