Em
2002, quando Gilmar Mendes foi escolhido por Fernando Henrique Cardoso para o
Supremo Tribunal Federal (STF), Dalmo Dallari escreveu um dos mais proféticos
textos da política jurídica brasileira. Sob o título “a Degradação do Judiciário”, o jurista afirmou que “a comunidade jurídica sabe quem é o indicado
e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente
inadequada”.
Do Justificando
O
tempo foi o senhor da razão para Dallari, que assistiu junto com toda a
comunidade jurídica a trajetória de um ministro descaradamente partidário,
politiqueiro e inapto para o cargo.
Os
catorze anos de Partido dos Trabalhadores no poder contribuíram para espalhar a
mediocridade pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente por optar pela
representatividade vazia, por nomes ligados ao conservadorismo, ou ainda, pela
absoluta inadequação ética e jurídica para o cargo, característica mais
presente nas incompreensíveis indicações de Dias Tóffoli e Luiz Fux.
Quando
a comunidade jurídica pensava que não poderia ser mais negativamente
surpreendida, eis que Temer nomeia Alexandre de Moraes, para, caso queira,
ficar na corte pelos próximos 26 anos.
O
mais espantoso sobre Alexandre de Moraes é que, no seu caso, a mediocridade,
ineficiência e o pensamento tacanho foram premiados após a mais desastrosa
gestão da história do Ministério da Justiça. Moraes fez de tudo um pouco:
desviou dinheiro do Fundo Penitenciário para montar uma polícia própria, mentiu
publicamente que havia oferecido ajuda à Rondônia para conter caos
penitenciário e, todo pomposo, anunciou um tal de Plano Nacional de Segurança
Pública que se resumia a um PPT amador de 50 slides. Um pífio trabalho escolar
faria melhor.
Alexandre
de Moraes também esvaziou o Conselho Nacional de Políticas Penitenciárias,
retrocedeu em décadas o processo de demarcação de terras indígenas e ainda,
como se não bastasse, foi ao Paraguai cortar pés de maconha de forma patética,
mas cujo gesto simboliza o atraso na política de drogas.
Além
disso, Moraes fez palanque em cima da Lava Jato, interferindo na operação e
antecipando movimentos em eventos de campanha – inclusive por isso o Estadão
chegou a pedir sua renúncia. O ministro é filiado ao PSDB, que se vê em apuros
para evitar desgastar mais a imagem na Operação Lava Jato, sendo completamente
descabida a presença de alguém partidário nesse momento, em especial quem já
foi capa das maiores revistas do país como o homem errado.
Poderia
passar o dia listando outros absurdos no Ministério da Justiça, mas vale dizer
que Moraes foi nomeado para o cargo após ter uma gestão péssima na Secretária
de Segurança Pública, onde maquiou dados sobre homicídios para vender uma
realidade inexistente, esteve à frente de um período extremamente violento da
polícia militar e criminalizou movimentos sociais e adolescentes secundaristas.
Aparentemente,
o trampolim profissional de Alexandre é o fracasso. Quanto mais falha, mais
sobe.
A
esperança de algum nome próximo do ruim estava às minguas. O certo era o
péssimo, lembrando que Alexandre conseguiu se sobrepor a Ives Gandra Filho,
ministro do Tribunal Superior do Trabalho que se revelou autor com as maiores
barbaridades sobre Direito de Família. Mais tarde, também seria revelado que
ele trazia essas convicções para suas decisões no TST, bem como empregou um
padre para o lugar de uma servidora concursada na ouvidoria do tribunal.
Não
precisava ser uma disputa em tão baixo nível. A direita que está no poder tem
quadros muito melhores para a escolha, mas preferiu dar voz a um bufão que tudo
o que fez na vida foi na base de seu privilégio de ser homem, paulista, branco,
católico e conservador. Surreal, trata-se de mais um tapa na cara de quem foi votar
há dois anos: ver escolhido para o STF o Secretário de Segurança Pública do
Alckmin.
Segundo
percebeu a jornalista Grazi Albuquerque, somente há uma saída para evitar o
desastre de Moraes no Supremo: a união da comunidade jurídica para afastar
alguém que se sentará na mais alta corte por quase três décadas. Até a sabatina
pelo Senado, a mensagem é deixar claro que Moraes não tem notório saber
jurídico, nem reputação ilibada: pelo contrário, sequer possui legitimidade no
meio jurídico, ante suas infinitas mostras de incompetência.
Atos,
notas públicas, questionamentos de entidades e juristas valem como armas numa
batalha sangrenta. Silente, acovardada, assistindo alguém que comprometerá o
direito por quase trinta anos sem nenhum protesto – repito: quase trinta anos –
é que a comunidade jurídica não pode ficar.
Por
isso, como uma luva, as palavras de Dallari se aplicam a Moraes, cuja indicação
é mais um passo na degradação do Judiciário. A citação, como no caso de Gilmar,
também aqui se encaixa perfeitamente: a classe jurídica deve se unir para
evitar que esse absurdo aconteça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!