A diferença que a cor faz na infância



O Brasil é um país racista. Assim sendo, ser negro por aqui é ser obrigado a lidar com o racismo desde muito cedo. São recorrentes situações em que a cor da pele é fator determinante para que meninas e meninos estejam expostos à discriminação.


Todos nós sabemos que as relações étnico-raciais são permeadas pelo preconceito. Na infância, este processo de desvalorização interfere diretamente na construção da identidade da criança, inclusive no processo de autoafirmação.

Na escolinha que estudava bem pequena, uma menina disse que eu era negra porque eu caí em um balde de tinta, depois as ofensas com meu cabelo que sempre foi black” foi o que Mc Sophia nos contou ao relatar o seu primeiro contato com o racismo ainda pequena.

O racismo é muito ruim. Para mim, não é infantil ou adulto, ele é geral, mas a criança tem o primeiro contato com ele na escola e isso é muito forte, pois é um lugar que tem o papel de ensinar. Infelizmente, mesmo com a lei que obriga o ensino de história africana desde a creche, isso não acontece, então o racismo é muito pesado para todos” ressaltou a jovem rapper, que a partir das ofensas, decidiu cantar hip hop. Soffia acredita que sua música pode, aos poucos, mudar esse quadro opressor.

MC Soffia, rapper, que desenvolve um trabalho de empoderamento e combate ao racismo. Ela tem apenas 12 anos.
Foto: Acervo Pessoal.

Para a pedagoga Migh Danae a questão requer mais debate e, principalmente,escutar o que os pequenos têm a dizer. “É importante que as crianças possam ser ouvidas sobre esses assuntos. Que possam dizer como se sentem, o que pensam sobre racismo e como elas resolvem estes problemas quando eles surgem. É importante que campanhas antirracistas sejam lançadas nas escolas e em outras instituições. Que estas ações educativas possam alcançar crianças de todas as idades, porque há uma ideia de que crianças muito pequenas não são racistas” ressaltou.

Migh Danae possui um trabalho voltado para essa temática “Fiz uma pesquisa com crianças negras pequenas de quatro anos, mas não é direcionado a discussão sobre racismo e infância, mas sim, raça e infância, já que eu evidencio a questão da raça no trabalho. A ideia é falar sobre as crianças negras a partir, não apenas do que lhes falta, mas também como seguem sendo crianças negras e sobrevivem ao racismo

Representatividade positiva

Mc Soffia lembra da importância da representatividade positiva e dá dicas para combater o racismo. “Estudem muito sobre a cultura negra, pois nossa cultura é linda e teve muita gente importante que ajudou na construção desse País, e, sobretudo não fiquem tristes com o racismo, pois estamos aqui para lutar contra ele”.

Embora tenha aumentado a representação de personagens negros nos meios de comunicação, os papéis, na maioria das vezes, são coadjuvantes, com pouco ou nenhum destaque.

Na Bahia, as irmãs Patrícia e Adriana Santos Silva, criaram a Ka Naombo, empresa especializada na produção de bonecas negras de pano, com o objetivo de criar um parâmetro para crianças que não se veem representadas.

Costumamos falar que a Ka Naombo é o nosso sonho de criança realizado, pois ele iniciou ainda na nossa infância, há 28 anos atrás, quando começamos a perceber que havia algo de muito estranho com nossas filhas (bonecas) por elas não serem parecidas conosco e nem com ninguém da nossa família”, conta Patrícia.

Alguns clientes chegam até mesmo a questionar o porquê de não haver bonecas brancas e, sim, apenas negas malucas. As exposições acabam se tornando espaços de debate, conversas, trocas de experiências e conscientização sobre as questões do racismo em nosso país. Principalmente quando vamos explicar para os clientes as denominações de cada modelo das bonecas expostos. Esses nomes atribuídos a cada boneca se deram pela necessidade de ‘protestar’ contra uma ‘convenção’ social de que as bonecas de pele negra são todas negas malucas”.

Por fim, Patrícia expõe o principal interesse da Ka Naombo. “Sabemos que o caminho é longo e cheio de obstáculos, porém, cada oportunidade que temos de conversar, questionar, promover reflexões e esclarecimentos sobre as diversas formas de manifestação do racismo ‘à brasileira’, a sua ação nociva na construção da autoestima dos afrodescendentes, e que isso provoque de alguma forma modificações na maneira dessas pessoas virem a si próprias e o mundo que o cerca, sentimos de alguma forma, mesmo que por vezes imperceptíveis a olho nu, que a nossa missão está sendo cumprida” finalizou.

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