O Karma do Brasil, por Helio Santos



Um país, além do espaço territorial, carrega outros atributos. O Brasil tem uma história que não é tão bela como emolduram alguns historiadores contadores de estórias.

Temos meio milênio de vida e somos considerados um país ainda jovem. Tivemos a escravidão colonial mais longa: 354 anos – período que ocupou cerca de 70% da nossa idade. Além de possuir uma população que já supera 200 milhões de almas, temos 26 estados, o distrito federal e 5.570 cidades. Todos esses entes da federação são dirigidos por prefeitos, governadores, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores e a presidência da república. Temos ainda a estrutura do judiciário – pesada e complexa burocracia que cuida dos assuntos da Justiça, cuja cúpula é o Supremo Tribunal Federal – (STF). A grande maioria desses dirigentes é formada por homens brancos. É importante lembrar que dentre os 4 segmentos populacionais – mulheres negras; mulheres brancas; homens negros e homens brancos, este último constitui o subgrupo menor. Às mulheres negras, que são o maior segmento, estão reservados os piores espaços e condições de vida na sociedade.

Quem é quem na distribuição dos bônus e dos ônus?

Muitas pessoas não compreendem o porquê de segmentar os grupos étnicos-raciais quando se discute o Brasil. Nas redes sociais beira o ridículo quando não-negros e mesmo negros clamam: “todos são iguais”; “é racismo dividir as raças”; ou pior: “não há raças”, ou ainda “a raça humana” é o que conta etc. Evidente que, idealmente, todos são de fato iguais. É certo também reconhecer que a Biologia prova que não há raças na espécie humana. O que os detratores dessa abordagem precisam compreender é que há racismo; muito racismo no Brasil.

Abordar o Karma do Brasil, mais do que nunca, há que se falar – sim – de gênero, de raça, de injustiça e violência. É necessário reconhecer: ao longo da história, o Brasil foi e continua sendo muito injusto e violento, sobretudo para determinados filhos. Me refiro aos indígenas, negros, mulheres e público LGBT. Estes sofrem mais danos, sim. Todos os dados reafirmam essa covardia do nosso cotidiano que, muitas vezes, ocasiona a morte de inocentes.

O país colhe o que sempre plantou; o que apresenta de maneira simplista a ideia do karma, que é mais complexa do que “ação & reação”. É fundamental também apreender as lições, ter humildade e valorizar a diversidade. O tempo todo se continua semeando injustiças. Todavia, tais descaminhos não são de responsabilidade apenas das medíocres elites nacionais.

Ostentação

Não é exagero dizer: o negro brasileiro é o único eleitor do mundo que elege o seu inimigo. Elege aqueles que depois não contêm e nem condenam a polícia que o assassina, que não desenvolvem políticas onde as oportunidades são iguais e que potencializam empresas e organizações racistas.

A ex-prefeita de Bom Jardim (Maranhão) que recebeu o festivo apelido de “prefeita-ostentação” foi presa e denunciada por desvio de verba da merenda escolar. Reparem na figura da foto abaixo a causa do apelido.

Reprodução.
Pergunta: como num estado de maioria negra e pobre, como o Maranhão, os eleitores escolhem uma prefeita com esse perfil tão esdrúxulo? São inúmeras as cidades, sobretudo as com menos de 100 mil habitantes, em que a administração, literalmente, “rouba balas das criancinhas”. Diversos são os municípios denunciados por não aplicar os recursos recebidos para a alimentação das crianças.

O famoso ex-prefeito que desviou milhões de dólares não é apenas ladrão, mas também é assassino. Os desvios foram abastecer contas fantasmas no exterior – somas impressionantes de dólares. Pergunta: quantos bebês dos bairros carentes deixariam de morrer se suas mães tivessem tido pré-natais, medicamentos, atendimento e alimentação adequados? Recursos que deveriam ser utilizados para construir creches foram robustecer fortunas familiares.

A mentira, a banalização do roubo e o achincalhe à nossa inteligência são protagonizados por pessoas que nós mesmos impoderamos. Como lamento dizer: temos responsabilidade nisso, sim!

Quem são, afinal, as pessoas que nos governam? Importante: todas elas foram eleitas de acordo com os parâmetros democráticos que logramos construir até aqui. O atual congresso, que tanto atemoriza quem reflete sobre o Brasil, é dirigido por homens que foram eleitos pelos nossos representantes. Neste sentido, eles são legítimos – sim -, pois não caíram de paraquedas e nem vieram de Júpiter. Se vemos neles falta de qualidade é importante lembrar que foi por essa escassez de atributos morais que eles foram escolhidos pelos seus pares – precisamente por isto.

Ninguém no Brasil pode ser condenado sem julgamento e nem preso sem ordem judicial – são conquistas recentes da nossa ainda tênue democracia. Mas pergunto, de 1 a 10, qual a chance dessa cena abaixo se concretizar nos próximos tempos?


Algumas figuras no Brasil se tornam notórias na vida pública de repente, mas com a mesma velocidade saem de cena para o ostracismo. Retornam para a mediocridade de suas vidas egoístas. Para quebrar a nossa senda de injustiças, ao que tudo indica, temos que sutilizar o nosso karma – trabalhá-lo.

Uma pessoa que conheci, um homem oriental de idade já avançada, ao nos ouvir falar da saga das mulheres indígenas e negras ao longo dos séculos, indagou: – “vocês cultuam essas mulheres?” Eu denomino tais mulheres, num texto já antigo, “As grandes Avós do Brasil”. Elas jamais tiveram o reconhecimento oficial pelo que os seus sagrados ventres propiciaram à reconhecida mistura étnica do País. Miscigenação forçada, por isto não integradora, que aqui tornou-se um álibe – este, sim, oficial – para não se fazer nada. Para o oriental citado – um homem espiritualista –, o país deve muito pelo que fez e precisa reconhecer e cultuar não para obter perdão, mas para reconciliar consigo mesmo. Sutilizar o karma.

No governo FHC, em 1995, Zumbi foi inscrito no Panteão dos Heróis Nacionais em cerimônia com o presidente feita em União dos Palmares em Alagoas. No governo Lula, em 2005, o país pediu perdão pelos séculos de escravismo negro em visita do presidente à Ilha de Goreé no Senegal de onde os navios tumbeiros partiam com sua carga humana para o Brasil. No plano simbólico estas foram medidas oficiais importantes. Entretanto, no campo material, o País precisa “correr atrás”, pois deve muito.

O pior: o Brasil continua semeando muitas injustiças. O País é renitente em seus erros e precisa o quanto antes entrar numa rota de reconciliação com o seu histórico de dor. Temos caminhado sem a agilidade necessária. Sutilizar o karma. Todos têm um papel a desempenhar: oprimidos/as e opressores/as.

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