Para
marcar a passagem do Dia da Criança, TV Brasil começa a exibir hoje o desenho
colombiano Guilhermina e Candelário, que mostra o dia a dia de dois irmãos
negros.
O
estudante Anderson Ramos passou boa parte da 4ª série (hoje 5º ano) sendo
chamado de "macaco", "preto fedido", "sujo" e
ouvindo "piadas" por causa do cabelo crespo. As ofensas vinham de
colegas da escola que, assim como ele, tinham 10 anos. O menino relatava os
casos para a professora, que nada fez, e para a mãe, que demorou a entender que
o filho estava sendo vítima de injúrias raciais.
"Quando comecei a chorar muito para não ir à
escola e pedi para raspar o cabelo, minha mãe percebeu que eu estava sofrendo
com aquilo, mesmo sem eu saber direito o que era", afirma Ramos, hoje
com 20 anos. "Quando a gente é
criança, não tem maturidade para fazer a leitura do que acontece, mas sente a
dor que o racismo causa. E não é brincadeira de criança, é racismo",
diz o estudante.
Apesar
de pouco discutido, o racismo na infância e nas escolas existe e precisa ser
enfrentado, na opinião de professores e especialistas. Eles destacam a pouca
representação de crianças negras nos meios de comunicação como uma das causas
do problema.
Professora
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da instituição, Renísia Garcia Filice
acredita que o racismo existe dentro das escolas e ocorre de forma cruel,
efetiva e naturalizada. Para ela, essa atitude na infância é fruto do que a
criança viu ou vivenciou fora do ambiente escolar.
"A criança pode ter vivenciado isso numa
postura dos pais, em algum comentário ou até em algo que os professores fizeram
ou deixaram de fazer", diz Renísia. Segundo ela, alguns professores se
omitem em situações de racismo pela falta de informação, por naturalizar os
casos ou achar que não é um problema. "Por isso, são necessárias práticas
pedagógicas para que as crianças se percebam iguais e com iguais
direitos", acrescenta.
Ildete
Batista dá aula para crianças de 5 anos em uma escola no Distrito Federal. Ela
afirma que as questões raciais aparecem principalmente no momento de disputa e
durante as brincadeiras. Professora há mais de 20 anos, Ildete afirma que
faltam referências para as crianças. "O
que fica como belo é o que se aparece na TV, nos livros – inclusive nos materiais
didáticos. A gente vê muitas propagandas, livros de histórias infantis em que
os personagens são brancos."
A
professora desenvolve, na escola, um trabalho contra o racismo e para colocar
mais referências africanas na educação. Isso, segundo Ildente, vem dando
resultados. "No início do ano, uma
menina me disse que não gostava do cabelo dela, por ser crespo. Em um desenho,
por exemplo, ela se fez loira do olho azul. Agora, no final do ano, ela se
desenha uma criança negra com cabelo enrolado. Isso mostra que o trabalho tem
que ser feito e, se ele é feito com respeito, a gente consegue vencer esses
problemas", acredita.
Segundo
o professor do curso de direito da UnB Johnatan Razen, quando há ofensas entre
crianças, no colégio, os pais devem relatar o caso à escola, para a que a
instituição promova ações educativas. "Se
o caso envolver um professor ou a ofensa vier da instituição – como obrigar uma
aluna a alisar o cabelo –, cabe acionar a Justiça", orienta. Se tiver
conhecimento de atitudes racistas dentro do espaço e se omitir, a escola também
pode ser responsabilizada penalmente, de acordo com Razen.
Representação
Para
a professora do curso de comunicação social da Universidade Católica de
Brasília (UCB) Isabel Clavelin, há uma tendência de aumento na representação de
crianças negras nos meios de comunicação, nos últimos anos. "Mas elas
figuram em papéis de coadjuvantes, e a representação está aquém da proporção de
negros no Brasil", diz a pesquisadora.
"Isso tem um efeito devastador, porque a
criança se vê ausente ou não se vê como ela realmente é. Ela está sempre atrás.
A interpretação dessas mensagens tem um efeito muito danoso, que é a recusa, de
se retirar do espaço da centralidade", afirma Isabel. "Enfrentar o racismo na infância é crucial e
deve mobilizar toda a sociedade brasileira, porque ali estão sendo moldadas
todas as possibilidades de identidade das pessoas", acrescenta.
A
escritora Kiussam de Oliviera, que trabalha com a literatura infantil com o
objetivo de fortalecer a identidade das crianças negras, afirma que falta
representação positiva. "Em um país
de maioria negra, não se justifica uma televisão totalmente branca, como nós
temos. A partir do momento que as emissoras entenderem que o público negro é
grande, nós viveremos uma fase diferente desta que estamos passando, onde há
violência por conta da cor da pele, agressões focadas na raça – cada vez mais
banalizada."
O
estudante João Gabriel, de 11 anos, sente falta de mais crianças negras na
televisão. "Nos desenhos e nos
programas de TV, quem é gordo e negro está sempre sendo xingado, é sempre
tímido e os outros zoam dele. Aí a gente vê isso e acha que é sempre assim. Os
colegas acham que todos precisam ser iguais e ser diferente é ruim."
Novo Programa
Com
a maioria dos personagens negros, começa hoje a ser exibido na TV Brasil o
desenho colombiano Guilhermina e Candelário. Para marcar a passagem do Dia da
Criança, a emissora exibirá quatro episódios em sequência, às 9h45 e às 13h. A
partir daí, o desenho será transmitido de segunda a sábado, na Hora da Criança,
faixa de programação de segunda a sexta das 8h15 às 12h e das 12h30 às 17h; e
no sábado, das 8h15 às 12h.
A
série mostra o cotidiano dos dois irmãos, cuja capacidade de sonhar transforma
cada dia em aventura. A cada dia, eles esperam ansiosamente a chegada do Vô
Faustino, a quem contam suas aventuras. O avô desfruta das histórias narradas
pelos netos e compartilha sua experiência de vida e sabedoria.
Co-produzida
pelo Señal Colombia e pela Fosfenos Media, a animação Guilhermina e Candelário
é um dos primeiros desenhos do gênero com protagonistas negros a ser exibido na
TV aberta brasileira.
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