“Nós, indígenas, somos humanos e queremos sobreviver...”, afirma professora indígena



A morte a tiros do jovem guarani-kaiowá Semião Vilhalva, de 24 anos, do tekohá (território) Ñanderu Marangatu, no município de Antônio João, em Mato Grosso do Sul, voltou a fazer da região um território à beira da convulsão social. Vilhalva morreu no último sábado (29), durante ataque de pistoleiros, a mando de fazendeiros da região, segundo denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Após dez anos de espera por demarcação, guaranis-kaiowá tentam reocupar território demarcado e sofrem retaliação brutal
por pistoleiros, a mando de latifundiários da região.
Reportagens de Marilú Cabañas para a Rádio Brasil atual apontam que a área atacada já foi demarcada e homologada, em 2005, pelo presidente Lula, mas a homologação foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão do ministro Gilmar Mendes, a pedido dos fazendeiros. No último dia 21, “num ato desesperado”, relata a jornalista, os indígenas tentaram retomar o território, mas dias depois foram duramente retaliados pelos proprietários, numa ação à revelia da lei.

Num relato que pode revelar apenas parcialmente a gravidade da situação, a professora guarani-kaiowá Inaye Gomes Lopes estava no local quando Semião foi assassinado, e conta os detalhes: “Os fazendeiros entraram com (….) os pistoleiros deles. Houve massacres em dois lugares. Um na fazenda da proprietária Roseli, presidenta do Sindicato Rural, e em outra fazenda, do proprietário Dácio Queiroz, onde houve morte. Eles chegaram atirando, queimando motos, atirando com balas de borracha. Muitas pessoas se machucaram, ensanguentadas. Um jovem foi assassinado. Ele levou um tiro no rosto e morreu na beira do rio.”

Inaye diz que Semião saiu, em meio ao conflito, para procurar a mulher, que estava com o filho de 2 anos desmaiado no colo, quando foi atingido por um tiro no rosto.

A professora afirma ainda que Rozeli Maria Ruiz, proprietária de uma das fazendas, havia feito ameaças, há cerca de duas semanas. “‘Se os indígenas querem ocupar a minha terra, vou matar um deles primeiro,’ Foi o que ela falou, e ela cumpriu. Um guerreiro nosso está morto”, relatou.

O secretário-executivo do Cimi, Cleber Buzatto, concorda que o ataque foi premeditado e afirma que os fazendeiros se prepararam durante toda a semana que antecedeu o crime, divulgando mentiras e incitando a população local contra os povos indígenas e seus aliados. Ele classificou a operação ordenada pelos fazendeiros como “uma verdadeira ação paramilitar”.

Cleber afirma à reporter que, se as autoridades não tomarem iniciativas para restabelecer o estado democrático de direito naquela região, mais lideranças indígenas podem ser assassinadas.

A comunidade vive, há mais de dez anos, em menos de 100 hectares, mais de mil indígenas. Uma situação de confinamento. Durante todo esse processo, a comunidade sempre se manteve extremamente pacífica. Há uma semana, diante de uma situação de extrema vulnerabilidade, de angústia e morte de crianças, a comunidade fez a retomada de algumas fazendas, que incidem sobre o território, e, nesse momento, os fazendeiros os atacam. Em vez de buscar os amparos da legislação, estão preferindo fazer ações paramilitares, no ataque aos guarani-kaiowá”, denuncia Cleber.

Durante o conflito, um bebê foi alvejado por uma bala de borracha, o que levanta suspeita de que tenha sido atingido por policias, ou que os fazendeiros estariam de posse de armamentos de uso exclusivo das forças militares. “Tem que investigar. Infelizmente, o DOF (Departamento de Operações da Fronteira), tem atuado mais como um elemento de proteção aos fazendeiros do que na tentativa de evitar o conflito entre as partes”, denuncia o secretário-executivo do Cimi.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), o assassinato de Semião Vilhalva é a “crônica de uma morte anunciada”, e diz que os fazendeiros optaram por “fazer justiça com as suas próprias mãos”, ao não aguardar a decisão final da Justiça.

Ele afirma que, dentre as causas para o aumento da tensão entre indígenas e proprietários rurais na região está a instabilidade causada pela “morosidade do poder Judiciário” e “insuficiência das ações do poder Executivo”.

O deputado também acusa a polícia local de cumplicidade. “Há uma postura de contemplação a uma série de desmandos que, evidentemente, poderiam ser minimizados”, diz Pimenta, que ressalta a condição de completo desequilíbrio entre as partes envolvidas no conflito. “De um lado o poder político, o poder econômico e a contemplação da autoridade policial. E os índios, que contam, única e exclusivamente, com o seu povo, a sua história, sua trajetória.”

O presidente da CDH diz estar “muito empenhado e preocupado”, na busca de uma solução para o conflito. Ele cita uma série de procedimentos e ações a tomar, como o envio de peritos federais para garantir isenção nas investigações, e prometeu, ainda nesta semana, visitar a região do conflito, em missão oficial.

O Cimi anunciou que vai levar o caso do assassinato de Semião Vilhalva ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.

A professora Inaye Gomes Lopes faz o apelo: “Nós, indígenas, somos humanos e queremos sobreviver. A gente não tem segurança. A qualquer momento, alguém pode chegar atirando e matar mais um. Por isso, gostaria muito que a Justiça resolvesse logo essa situação, porque senão a gente vai acabar morrendo. A gente está aflito. Queremos respostas”, prometendo: “A gente não vai desistir. Chegamos até aqui, e daqui a gente não sai”.

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