É
inegável a relevante contribuição de Martin Buber para a Filosofia
Contemporânea, como também a atualidade de sua obra. Encontramos nele um
pensamento com profundidade tão sagaz que é inevitável não considerá-lo
original a uma Filosofia, cuja preocupação central é o ser humano, a
Antropologia Filosófica. O nosso filósofo fundamentou e desenvolveu com
pertinência – em seus vários livros e, principalmente, em Eu e Tu -, acepções
como princípio dialógico, encontro, entre, palavra-princípio e interhumano. E mesmo
reconhecendo as influências recebidas de outros filósofos, o seu pensamento é possuidor
de um élan particular.
A
Filosofia do Diálogo de Buber e ou, o cerne do pensamento buberiano esteve direcionado mais
precisamente ao problema do homem como ser de relação, como ser aberto ao
diálogo com o Tu.
Em
sua análise a respeito da problemática do homem, Buber enfrentou a atitude do
individualismo e do coletivismo, afirmando que o primeiro só entende uma parte
do homem e o segundo entende o homem só como uma parte. Para ele nenhum dos
dois alcança a totalidade. O individualismo vê o homem em relação consigo
mesmo, e o coletivismo nem vê o homem, pois vê apenas a “sociedade”. O primeiro
distorce o rosto do homem, o segundo o mascara. Consoante o nosso filósofo,
ambos são a expressão e conclusão da união do abandono cósmico e social, do
medo do universo e da vida, que tem por resultado uma constituição existencial
de solidão tal como nunca existiu antes.
Mas,
para Buber, somente quando o indivíduo conhece o outro em toda a sua alteridade
como a si próprio, como homem, experiência a partir da qual irrompe na direção
do outro, conseguirá romper sua solidão, em um encontro estrito e
transformador. Ele insiste que o fato fundamental da existência humana não é
nem o indivíduo, como tal, nem agregado como tal. Cada uma dessas categorias,
considerada em si, não passa de uma abstração.
O
indivíduo é um fato da existência, só na medida em que ele se coloca em uma
relação viva com outros indivíduos. O que é peculiarmente característico do
mundo humano é, antes de tudo, que nele algo acontece entre um ser e outro. A
característica existencial do mundo humano é enraizada no voltar de um ser em
direção do outro para comunicar-se dentro de uma esfera comum, mas que ao mesmo
tempo transcende a esfera especial de cada um. Essa categoria existencial é a
categoria relacional do entre, que é estabelecida a partir da existência do
homem. É essa categoria primordial da realidade humana.
Para exprimir a realidade, que liga o homem ao
homem, Buber criou o termo especial zwischenmenschlich (entre os homens ou
interhumano). No interhumano um sujeito se defronta efetivamente com o outro, e
nesse confronto, que não é simples experiência psicológica, há uma realidade em
que os dois sujeitos convivem. Como enfatizamos, a principal característica
dessa esfera é a espontaneidade, em que toda aparência, toda “dissimulação”
seria fatal. No interhumano a verdade assume uma dimensão quase corpórea, pois,
o homem se comunica com o outro naquilo que eles são. Somente assim a
intercomunicação existencial se torna possível, isto é, o diálogo autêntico, em
que o outro se afirma como aquilo que realmente é e se confirma em sua natureza
de criatura.
No pensamento buberiano a existência do homem
emerge do diálogo, do encontro dialógico, da esfera do interhumano. Consoante
essa análise, o diálogo determina a palavra como a interação entre homens,
trata-se de uma categoria antropológica, porque instaura o desvelar do
entre-dois, do Eu e Tu. No diálogo a palavra não é mais logos, puramente
anunciador, pois fundamenta a existência; ela vai além da subjetividade,
estabelecendo uma dimensão ontológica _ o interhumano. O logos não é
simplesmente razão, princípio de ordem, porém em virtude de seu vínculo
essencial com a práxis, ele é a palavra responsável pelo desvendar da
existência humana como coexistência. O ser humano existe mediante o encontro, a
relação.
O
homem como ser-ao-mundo não é um ser-em-si, mas essencialmente uma abertura.
Ele é abertura graças à palavra originária. O homem instaura o emergir dinâmico
de sua existência pela palavra. Como manifestação do si mesmo, o logos torna-se
uma abertura ao outro, dia-logos. E somente quem toma a decisão de proferir a
palavra da relação, a palavra-princípio Eu-Tu, poderá fundar o “nós essencial”,
do autêntico interhumano. Aproximação, contatos, experiências e reações comuns
definem o social, este implica um estar-um-ao-lado-do-outro, enquanto que
proximidade, relação dialógica, responsabilidade, decisão, liberdade, presença no
face a face definem o interhumano que é o estar-junto-com-o-outro.
Mas
Buber observa na humanidade uma profunda crise, causada por uma ruptura que
separa os homens uns dos outros. E isto demonstra a atualidade da Filosofia do
Diálogo quando colocada diante da sociedade individualista e consumista do
nosso tempo. Consoante Zuben, Buber previu uma nova tarefa que se apresentou ao
pensamento humano e aspira à implantação de uma nova dimensão do mundo, a
dimensão dialógica no homem (ZUBEN, 2003: 210).
As
grandes transformações e os avanços tecnológicos que caracterizaram o século XX
trouxeram em seu bojo muitas vantagens e também grandes ameaças. A sociedade
contemporânea naufraga em um grande mar de desprovidos, de milhões de
miseráveis do sul subdesenvolvido sucumbindo às margens do norte desenvolvido.
As injustiças sociais, o desemprego, a violência, a fome, as guerras e os
desastres ecológicos, por exemplo, apontam para uma situação degradante. O
planeta corre o risco de entrar em colapso.
Inúmeras
pesquisas apontam que a doença do início do século XXI é o stress conjugado a
depressão, e isto ocorre como conseqüência do enfraquecimento das relações
humanas e da “obrigação diária” estabelecida pelo mercado de as pessoas
provarem que são competentes. Assistimos atualmente a um processo de
enrijecimento gradual do individualismo. Os avanços tecnológicos e o
crescimento das cidades têm ocasionado o isolamento das pessoas em detrimento
do encontro e do diálogo com o outro. Podemos caracterizar o homem deste início
de século como um ser isolado, preocupado consigo e longínquo da realidade em
seu torno.
Não
queremos, ao apresentar os problemas citados acima, firmar uma acepção
pessimista sobre o homem atual, mas enfatizar como ele vem se distanciando de
um princípio relevante para sua própria realização enquanto ser humano, a
relação. O homem atual restringe-se a proferir a palavra-princípio Eu-Isso,
colocando-se diante das coisas em vez de confrontá-las no fluxo da ação
recíproca, preferindo um relacionamento unidirecional entre o Eu (egótico) e um
objeto manipulável (lsso). Buber, contudo, posicionou-se de maneira radical ao
quando analisar a atitude Eu-Isso. Para ele “aquele que vive somente com o Isso
não é homem” (BUBER, 1977: 39).
O
sujeito humano atinge o seu ser através do “proferir Tu” (Dusagen) e não do
“proferir Isso”; em outras palavras, isto significa que o homem atinge o seu
ser pela relação. O homem, na relação Eu-Tu, integra-se completamente com o
mundo, em uma totalidade caracterizada pelo envolvimento, pela integração dos
opostos, desaparecendo as peculiaridades e contradições individuais. “A
palavra-princípio Eu-Tu só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A
união e a fusão em um ser total não pode ser realizada por mim e nem pode ser efetivada
sem mim. O Eu se realiza na relação com Tu; é tornando Eu que digo Tu” (BUBER,
1977: 13). Depois de escutarmos as palavras de Buber podemos considerar que o
homem sem o homem é, por assim dizer, um nada e que o abandono do encontro com
o outro poderá conduzir o homem a um abismo cruel.
Para
Zuben, na obra buberiana a volta à segurança, o reencontro com o verdadeiro
destino que a humanidade descobriu para si serão assegurados (tal é a esperança
que alimenta a mensagem buberiana) pela vida em diálogo (ZUBEN, 2003: 210).
Com
efeito, é necessário reafirmar a necessidade de estudos consistentes sobre a
filosofia de Buber, que a aproxime da atualidade. Analisar a obra de Buber é
adentrar um pensamento que – não sendo uma doutrina, mas por sua sintonia com a
vida e com o cotidiano -, é uma chama acesa posta diante dos olhos do homem
atual, com intuito de alertá-lo e, até mesmo, de guiá-lo à profundidade daquilo
que o torna ser humano, a relação. A relação, em suma, além de ser o princípio
(no princípio é a relação) é também a contínua atitude instauradora do ser do
homem, o ser humano, o Menschen-sein.
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Referências Bibliográficas
BUBER,
Martin. Eu e Tu. Tradução de Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Cortez e
Moraes, 1977.
SANTOS,
Rudinei Borges. No principio é a relação: encontro e diálogo no pensamento de
Martin Buber. 2005. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em
Filosofia). Centro Universitário Assunção/São Paulo.
ZUBEN,
Newton Aquiles von. Martin Buber: cumplicidade e diálogo. Bauru: EDUSC, 2003.
Publicado
originalmente na revista parâmetro
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