Sociedade reage à proposta do marco civil da internet


Depois de anos de idas e vindas pela pauta de votação do plenário da Câmara – além de quatro anos de acaloradas discussões do poder público com a sociedade – parece que mais uma vez vão tentar “emplacar” o Projeto de Lei 2126/2011, de autoria do poder Executivo, o chamado marco civil da internet. Ou, como alguns preferem, a “Constituição Brasileira da Internet”, pela forma como mexe profundamente na relação da sociedade, das empresas e do poder público com a web.

O debate segue tão intenso que o presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu por postergar a votação em plenário para esta semana.

O marco civil tem alguns pontos bastante polêmicos e que vêm gerando protestos, desde cidadãos comuns, simples usuários, até especialistas no tema. Segundo estes últimos, o maior risco refere-se à “neutralidade” da rede. Pela atual legislação, todos os pacotes de dados que circulam pela rede devem ser tratados igualmente, sob a mesma velocidade. Já o marco civil determinará que as operadoras de conexão sejam obrigadas a cumpri-lo de fato e não podem criar categorias preferenciais entre os usuários da rede.

O problema começou quando os noticiários deram conta de um grande “lobby” de empresas de telefonia para derrubar o texto do marco. Em fins do ano passado, a Associação Proteste, de direitos do consumidor, divulgou uma carta aberta chamando a atenção para essa manobra, que, na prática, poderia fazer com que essas empresas virtualmente decidissem o que alguém poderia fazer ou não na rede, criando faixas diferenciadas de pagamento, para aplicações (sites) ou serviços que utilizem maior banda.

Na semana passada, com a proximidade da votação no plenário da Câmara, outra organização da sociedade civil, a rede carioca Meu Rio, passou a divulgar um abaixo-assinado com um apelo para que os deputados mantenham o texto original proposto para o marco civil.

O texto, que já tem mais de 30 mil apoios, diz: “Empresas de telecomunicação estão pressionando os deputados para ter o poder de dizer o que você pode e não pode ver na internet, dependendo de quanto você e os diferentes sites e aplicativos estiverem dispostos a pagar”.

O apelo da neutralidade da rede é tão forte e tão importante quanto outra questão do marco civil: a privacidade da vida em rede. O novo texto de lei estabelece que as operadoras devem obrigatoriamente guardar logs (registros de data, horário e duração de acesso à internet e serviços) de seus clientes por um ano. Vários especialistas argumentam que isso ofende diretamente a privacidade dos cidadãos, que têm o direito de ir e vir (mesmo no mundo virtual) sem serem vigiados ou terem seus rastros gravados de qualquer forma enquanto não forem considerados suspeitos pela Justiça. O argumento é que essa medida facilitaria a investigação de eventuais criminosos on-line, mas as garantias constitucionais de privacidade e liberdade de expressão devem sempre falar mais alto.

A própria ONU reconheceu o valor da privacidade e da liberdade na internet, em um relatório especial de 2011, no qual afirma que “as características especiais da internet, de possibilitar aos indivíduos disseminar informação em tempo real e mobilizar pessoas, fizeram aumentar o medo entre governos e poderosos”. Para a organização, “isto tem levado ao aumento das restrições ao acesso à internet, através da utilização de tecnologias cada vez mais sofisticadas para bloquear conteúdos, monitorar e identificar ativistas e críticos, e criminalizar a legítima expressão de ideias, além da adoção de legislações restritivas para justificar tais medidas. Com relação a isso, este Relatório Especial enfatiza também que os padrões internacionais de direitos humanos atualmente existentes, em particular o artigo 19, parágrafo 3, da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, continuam valendo”.

Este é um tema dos mais caros à cidadania, na medida em que reconhecemos a importância cada vez maior que o mundo em rede tem, especialmente em países em situação de conflito político ou onde a mídia tradicional não seja independente.

Felizmente, o nosso país não sofre nenhum destes males. E, com certeza, um bom antídoto para isso é a existência de uma internet realmente livre, a salvo de interesses meramente políticos ou econômicos e com a privacidade de seus usuários garantida.

A análise é de Jorge Maranhão e foi publicado originalmente no Congresso em Foco

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