Festa de Santa Tereza em Altaneira: Faça o que eu digo e me deixe fora dessa




"Fieis" demonstram força e coragem durante carregamento do
Pau da Bandeira em Altaneira. Foto: João Alves
Este ano é a primeira vez que dedico um pouco do tempo para me direcionar a um fato que não é a primeira vez que ocorre e, sem dúvida nenhuma, não será a última. O carregamento do Pau da Bandeira é um evento tradicional que antecede os festejos destinados a padroeira do município de Altaneira, Santa Tereza D’Ávila, que se inicia na tarde do dia 06 e se estende até o dia 15 de outubro.

É inegável a importância deste evento para o município, seja na área econômica, gerando renda, seja na área turística e cultural, permitindo o conhecimento e acesso dos visitantes à cultura religiosa da cidade e visita aos parentes, seja pela própria dinâmica social que gera entre as pessoas. Mas o que marca esse festejo é, sem dúvida a participação de diversas pessoas em momentos estratégicos que antecedem o cortejo à santa, o carregamento do pau da bandeira para ficar exposto em frente à Igreja com a imagem de Santa Tereza.

Como na história há um preceito de que os processos históricos são tomados de mudanças e permanências, pode-se dizer que dentro deste cenário, a imagem que se percebe da sociedade altaneirense é praticamente a mesma que se tinha na sociedade feudal, onde havia uma organização e uma divisão clara dos papeis sociais. Organização e divisão essa que tinha o aval da autoridade divina. Afinal, tudo o que era feito recebia explicações e justificativas divinas, o que em tese não se diferencia muito das hoje apresentadas. Nesse modelo de sociedade, dividida em classes sociais ou estamentos, cabia ao clero cuidar da salvação espiritual de todos; aos guerreiros, zelar pela segurança; e aos servos, executar o trabalho nos feudos. Assim, “O próprio Deus quis que entre os homens, alguns fossem senhores e outros servos, de modo que os senhores venerem e amem a Deus, e que os servos amem e venerem a seu senhor, seguindo a palavra do apóstolo: Servos, obedecei a vossos senhores temporais com temor e apreensão; senhores, tratai vossos servos de acordo com a justiça e a equidade”.

Hoje, esse cenário não mudou muito. Se não vejamos. Quem em Altaneira, especialmente os que participam ativamente dos cortejos a padroeira, já viu os figurões religiosos (os padres) estarem inserindo de forma efetiva durante o evento de carregamento do pau da bandeira? Quem já testemunhou um padre se juntar aos “fieis” e colaborar no ato (pegar, segurar e carregar o material) até a igreja?

Não, não se percebe isso. Não que eu queira afirmar que a presença do pároco nesse ato ajudasse, por exemplo, a superar o atraso que se verificou na chegada do pau dentro da cidade, já ao anoitecer.  Não seria hipócrita de cogitar essa possibilidade. O que estou querendo afirmar é que a cultura religiosa reinante durante a idade média continua a ser alimentada na contemporaneidade. Agora com novas vestimentas e de forma camuflada. A sociedade de estamentos onde o Clero está para orar, os Guerreiros para garantir a segurança e os Camponeses (servos) executar o trabalho, se reveste de novas formas e métodos, mas com o mesmo princípio, manter o clero afastado e ao mesmo tempo perto dos fieis.  Aqui, o pároco fica ditando o ritmo durante o cortejo em cima de um carro, exercitando a força espiritual, enquanto que a força braçal fica a cargo dos fieis.

Religiosamente falando, pode-se dizer que a própria história do cristianismo é relegada. Afinal de contas, para os que acreditam em um ser divino, Jesus foi enviado a terra para salvar a humanidade e um dos requisitos para isso foi ter que carregar uma cruz. Na idade média e na contemporaneidade os que estão para continuar essa “obra” se esquivam dos “serviços pesados”. Irônico não?

Assim, mantem-se uma cultura religiosa da divisão de papeis. Onde o Clero ora e os fieis são ao mesmo tempo guerreiros e servos. Mantem a segurança do evento, pois se o pau cai alguém pode se machucar e executam o trabalho pesado, carregando o pau até o centro da cidade. Fica então, a expressão (de cima de um carro, para que visualizar o povo melhor e para que este o escute) faça o que eu digo, mas me deixe fora dessa.





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