A
Folha de S. Paulo e o Estado de S.Paulo não combinaram um desembarque em bloco
do apoio ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como aparentemente
indicam as primeiras páginas dos dois jornais na terça-feira (6/8). Mas ele
parece não contar mais com uma preferência política que lhe foi, até aqui, de
grande utilidade. Há nas capas das edições dos dois diários fotos destacadas de
uma paralisação gigantesca do metrô paulistano ao lado de manchetes sobre a
investigação de suposta corrupção na contratação de bens e serviços pelo
governo do estado, delatada pela Siemens.
Ambas as redações podem estar
constatando que:
1.
Ficou caro demais passar a mão na cabeça do governante tucano, principalmente
depois que ele se mostrou incapaz de controlar a polícia no dia 13 de junho,
quando ela deveria, segundo o enredo previsto, ter
baixado o sarrafo apenas em manifestantes, mas não poupou jornalistas;
2.
O governo estadual não se preparou para o aumento da demanda dos serviços sobre
trilhos, seja devido a um planejamento inepto, seja por acomodação a um ritmo
de trabalho ditado por interesses de empreiteiros de obras e fornecedores de
material ferroviário, ou pelas duas razões combinadas e mais algumas que caberá
aos responsáveis apresentar;
3.
A preferência política na edição do noticiário “local” (cidade e estado) foi
posta a nu, para camadas influentes da população, pela crítica na internet (que
há muitos anos inclui, se nos dão licença, o Observatório da Imprensa).
Prefeitura “erra” até quando acerta
Nesta
conjuntura de relativo desnorteamento, a Folha mantém a hostilidade ao governo
municipal. Não em editoriais, mas no noticiário. Na mesma edição, sob o título
“Faixa de ônibus piora trânsito na 23 de Maio”, uma reportagem insiste em ignorar
sinais que as ruas deram vulcanicamente a partir de 6 de junho: tratem do
transporte coletivo, parem de privilegiar o automóvel.
A reportagem, aliás, registra que a vida dos passageiros de ônibus tende a melhorar: “Para as linhas que circulam pelo corredor, a faixa já representou melhora. O sistema da SPTrans (empresa que gerencia o transporte) registrou velocidades acima de 20 km/h. Antes, era ao menos (sic) a metade”.
Se
tivesse sido seguida a lógica motivadora da segregação da faixa de ônibus, o
título teria sido, por hipótese, “Ônibus mais rápidos em faixa na 23 de Maio”.
Mas essa é a lógica da Secretaria Municipal de Transportes, da qual o jornal
desconfia. Desconfiar, pode, ainda mais quando há sobejas razões para tanto.
Brigar com os fatos, porém, não é permitido.
Se
se confirmar um descolamento do tucanato, os jornais se verão diante de uma
sinuca de bico: a quem apoiar? Em 2000, o Estadão declarou apoio à candidata
Marta Suplicy, que venceu e se tornou prefeita. Mas essa opção era sopa: Marta
enfrentou Paulo Maluf.
Mudou o Natal
Essa
hipotética orfandade trairia uma incapacidade de se sintonizar com novidades
importantíssimas da formação social brasileira. Por sinal, nem tão novas: há
quanto tempo se diz que as elites políticas nacional, estaduais e municipais
deixaram de representar os interesses, as aspirações e a esperança das
populações?
Mas,
como disse Kierkegaard, se a vida só pode ser vivida para frente, só pode ser
pensada para trás. Aferramo-nos todos, pobres humanos, aos referenciais que
estão ao alcance de nossos cérebros. E toda formulação, salvo para quem foi
objeto de revelação divina, é calcada na realidade percebida. Realidade que
abrange crenças, estruturas mentais, sistemas de organização política.
Se
os jornais percebessem que não precisam ser prisioneiros de uma vida política
que privilegia sua própria reprodução, ajudariam a sociedade a dar outros
tantos saltos, menos impressionantes do que os de junho, mas possivelmente com
resultados mais radicais e mais duradouros. Ajudariam mais a democratizar um
país que, diferentemente do que pensam muitos, não está consolidando nem
amadurecendo o regime democrático, e sim conquistando-o.
Via
Observatório da Imprensa
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