Estão
prestes a ser homologadas pelo ministro da Educação as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Jornalismo, aprovadas pela
Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) em
20/2/2013. O Parecer 39/2013 CNE/CES pouco alterou o relatório final da chamada
Comissão Marques de Melo. O estágio obrigatório de 200 horas foi mantido,
apesar da posição inicial desfavorável do relator.
A
meu ver, a ausência mais aguda nas Diretrizes Curriculares é a do Capital. Um
conjunto de pesquisadores acadêmicos de alto quilate conseguiu a proeza de
reunir-se para tratar do Curso de Jornalismo tendo chegado ao final de seu
trabalho sem se pronunciar sobre como se configura no Brasil o sistema
empresarial, oligopólico, firmado sobre a propriedade cruzada de diferentes
meios de comunicação, que dá as cartas na mídia e no jornalismo brasileiros.
Dizendo de outra forma, o sistema responsável pela produção da maior parte do
jornalismo brasileiro, diário ou semanal, seja ele impresso, televisivo,
radiofônico ou digital, é ignorado no documento.
Desse
modo, não há uma avaliação crítica do papel desempenhado no jornalismo pelos
empregadores de importante parcela dos atuais e dos futuros jornalistas,
empregadores esses dotados de notável poder econômico e político na sociedade
brasileira, habituados a moldar o jornalismo que praticam de acordo com seus
interesses. Eles deixaram de ser criticados pelos especialistas da “Comissão
Marques de Melo”, que, no entanto, preocuparam-se em atender suas demandas, por
exemplo por meio da figura do estágio obrigatório (“possibilitando a interação
da universidade com o setor produtivo”) ou do Mestrado Profissional (recomendação
felizmente ignorada pelo CNE/CES), que permitiria a “formação de profissionais
especializados, pleito histórico das organizações jornalísticas” (leia-se:
empresas de jornalismo).
Também
no tocante à comunicação entendida como sistema global, mundial, o relatório
que embasou as novas Diretrizes Curriculares valorizou excessivamente as redes
sociais e a convergência digital, bem como os “novos sujeitos”, sem levar em
conta que prossegue célere o processo de concentração e fusão das corporações
gigantes de mídia, ou seja, dos capitais que atuam no setor. Por exemplo,
afirmam os especialistas: “Os conteúdos da atualidade, veiculados pelos gêneros
jornalísticos são, em esmagadora maioria, ações discursivas de sujeitos que
agem no mundo e sobre o mundo por meio de acontecimentos, atos, falas e/ou
silêncios. Valorizados pelas técnicas e pela identidade ética, esses conteúdos
são socializados no tempo e no espaço do Jornalismo, pelos instrumentos da
difusão instantânea universal. E assim, pelas vias confiáveis do Jornalismo, se
globalizam idéias, ações, mercados, sistemas, poderes, discussões, interesses,
antagonismos, acordos” (Relatório, p. 4). Tudo parece, assim, muito difuso e
etéreo, quando a realidade é bem outra, mesmo na Internet, onde a presença das
grandes corporações, bem como a ação de grandes Estados, é avassaladora.
Quando
cita o mercado ou as empresas, o relatório final da “Comissão Marques de Melo”
o faz acriticamente, como se o protagonismo desse setor nada tivesse a ver com
o jornalismo que se pratica hoje (no Brasil e no mundo) ou com a formação
jornalística. O jornalista, assim, apesar da retórica humanística do texto, ao
fim e ao cabo é apenas força de trabalho para as empresas de jornalismo. Mas o
Relatório não se limita a escamotear, na abordagem geral prévia, o oligopólio
da mídia e do jornalismo. Ele também deixa de incluir esse tópico nos próprios
conteúdos curriculares sugeridos. E o CNE/CES aprovou integralmente tais
conteúdos.
O
objetivo principal do relatório final parece ser subordinar a formação
oferecida aos imperativos do mercado. É isso que explica os ataques presentes,
no relatório, a um tipo de formação mais reflexiva, mais crítica dos meios de
comunicação de massa, por exemplo: a teoria “passou a não reconhecer
legitimidade no estudo voltado ao exercício profissional, desprestigiando a
prática, ridicularizando os seus valores e se isolando do mundo do jornalismo”
(Relatório, p. 12); ou: “A ênfase na análise crítica da mídia, quando feita sem
compromisso com o aperfeiçoamento da prática profissional, abala a confiança
dos estudantes em sua vocação, destrói seus ideais e os substitui pelo cinismo”
(idem).
Observe-se,
porém, a seguinte recomendação da Unesco, presente em publicação recente sobre
os currículos de jornalismo: “Uma boa formação deve fornecer aos estudantes
conhecimento e treinamento suficientes para que reflitam sobre a ética do
jornalismo, suas boas práticas e sobre o papel do jornalismo na sociedade. Eles
também devem aprender sobre a história do jornalismo, a legislação da
comunicação e da informação e sobre a economia política da mídia (incluindo
tópicos como propriedade dos meios, estrutura organizacional e competição)”
(Modelo curricular da Unesco para o ensino do Jornalismo, Unesco, Brasil, 2010;
página 6). Mais adiante, mesmo ressaltando que o curso pensado não se destina a
formar pesquisadores acadêmicos, o texto diz: “Pretendemos, igualmente,
preparar os estudantes para que sejam críticos a respeito do seu próprio
trabalho e em relação ao de outros jornalistas” (idem, p. 7).
A
“Comissão Marques de Melo” fechou seu relatório em 2009 e cita apenas a versão
anterior (2007) do Modelo curricular da Unesco... Mas é importante assinalar
que há uma preocupação da Unesco com essa questão (para quem trabalhamos? quem
detém o poder no jornalismo?) que é simplesmente diluída, no documento dos
especialistas, em considerações genéricas sobre a ética e a responsabilidade do
jornalista.
Em
nenhum dos seis Eixos de Conteúdo que constam do item 5 do Relatório (Conteúdos
Curriculares) e foram aprovados in totum pelo CNE/CES consta algo consistente
sobre o tema, exceto por uma vaga referência, no Eixo III, à “regulamentação
dos sistemas midiáticos, em função do mercado potencial” (sic). Basta conferir
isso nas páginas 11 e 12 do Parecer CNE/CES 39/2013.
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