José Saramago: A luta contra a cegueira religiosa





A publicação, em 1991, do romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, provocou escândalo em Portugal e em várias outras nações onde a Igreja Católica tinha uma posição proeminente (José Carlos Ruy).

O romance, que ajudou a consolidar o prestígio do escritor português e a difundir sua obra, foi visto, no melhor espírito medieval, como herético, cuja publicação deveria ter sido proibida, como defendiam muitos religiosos eminentes.

Por uma razão muito simples: pôs o dedo na ferida do preconceito e da hipocrisia dos religiosos. Era obra de autor comunista. Saramago era militante do Partido Comunista Português, foi destacado jornalista na imprensa partidária e defendia uma solução revolucionária e socialista para a crise aberta em Portugal depois da Revolução dos Cravos, de 1975. Mas esta é parte da explicação para a reação negativa. A outra, e principal, pode ser localizada no explícito e militante ateísmo do escritor. O romance humaniza a figura de Jesus Cristo e reescreve sua “biografia” de um ponto de vista profundamente crítico à religião baseada no martírio, no sofrimento e no culto da morte.

Em 1991 Sousa Lara, o Sub-Secretário de Estado adjunto da Cultura de Portugal, membro do governo dirigido pela direita, retirou O Evangelho Segundo Jesus Cristo da lista oficial das obras portuguesas que concorreriam a um prêmio literário europeu, alegando que ele atentava “contra a moral cristã". Em protesto, Saramago mudou-se para a ilha espanhola de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, pertencentes à Espanha, onde viveu seus últimos anos.

O arcebispo da cidade portuguesa de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, em maio de 1992 acusou Saramago de ser ateu confesso e comunista impenitente que, por isso, não podia ter escrito O Evangelho Segundo Jesus Cristo: “a apregoada beleza literária, a existir nesta obra, longe de atenuante e muito menos dirimente, constitui circunstância agravante da culpabilidade do réu, seu autor”, disse, usando palavras que ecoam uma reação contra a liberdade de expressão que recordam um mundo superado há pelo menos dois séculos, mas cujo sentido permanece vivo na mente ultrapassada de religiosos saudosos das fogueiras da Inquisição.

A reação religiosa contra a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo estava centrada numa ideia fundamental: somente a Igreja Católica pode interpretar os escritos bíblicos, tese reafirmada muitos anos depois (em abril de 2009) pelo o papa Bento XVI: "os estudiosos católicos não podem interpretar a Bíblia de uma maneira independente, nem de um ponto de vista científico ou individual".

A aversão católica contra Saramago manifestou-se inúmeras vezes. Por exemplo, quando recebeu o prêmio Nobel de Literatura, em 1998, o diário oficial do Vaticano, L'Osservatore Romano condenou a premiação alegando que “Saramago é, ideologicamente, um comunista inveterado”. Mesmo a morte do escritor não amenizou a ira religiosa e, ao dar a notícia, o mesmo jornal oficial do Vaticano classificou o escritor como "populista extremista" e "ideólogo antirreligioso".

Saramago reagiu com bom humor quando comemorou, muitos anos depois (em 2009), a perda de poder da Igreja. "A mim, o que me vale, meu caro Tolentino, é que já não há fogueiras em São Domingos", disse ao teólogo católico José Tolentino de Mendonça. E, numa ocasião, propôs a inclusão de dois novos direitos na Declaração Universal dos Direitos Humanos: o direito à dissidência e à heresia, reforçando a defesa da liberdade de pensamento, consciência e religião.

José Saramago que, em outubro de 1998 tornou-se o único escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, publicou 17 romances, entre eles Levantado do Chão (1980), A Jangada de Pedra (1986), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio Sobre a Cegueira (1995) e Caim (2009), cinco peças teatrais, quatro livros de contos, três livros de poemas, cinco livros de crônicas e dois livros de memórias.

Créditos: Filosofia Ateísta

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