1.
De tempos em tempos ressurge na mídia o debate sobre a reforma política, em
geral centrado nos temas do financiamento público ou privado ou misto das
campanhas eleitorais e do voto nominal ou em lista partidária, fechada ou
aberta; do voto facultativo ou obrigatório. Mas estes são temas para outro
artigo. Neste artigo, vamos tratar de um tema, pouquíssimo mencionado na mídia,
que é a reforma política no Senado Federal, e de como torná-lo uma instituição
mais democrática.
2.
Democracia, na definição clássica, é o governo do povo, pelo povo e para o
povo. Nos países de grande população, o povo, isto é, o conjunto de cidadãos,
tem de escolher pelo voto os seus representantes para a tarefa de elaborar as
normas jurídicas para reger as relações entre os indivíduos, as empresas, as
organizações sociais e as agências do Estado.
3.
O voto é um direito e uma obrigação do cidadão para com a sociedade, de
participar da escolha daqueles que o representarão na elaboração das normas a que
a cidadania está submetida.
4.
Assim, a legitimidade dos legisladores para elaborar normas decorre de terem
sido escolhidos pelo povo. São, no dizer da Constituição Brasileira, os
representantes do povo. Reza a Constituição:
Art.14:
A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos (...)
Art.44:
O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.
Art.45:
A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo (...)
Art.46:
O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal,
eleitos segundo o princípio majoritário.
(...)
§
3º Cada Senador será eleito com dois suplentes.
5.
Ainda que, teoricamente, os Deputados representem o povo e os Senadores
representem os Estados e o Distrito Federal, na realidade, devido à forma como
são escolhidos, pelo voto direto dos cidadãos, e como exercem suas funções
legislativas, podem ser todos considerados como representantes do povo.
Certamente nenhum Senador se considera menos representante do povo brasileiro
do que qualquer Deputado.
6.
Na plutocracia, diferente da democracia, os “votos” não são iguais. Na
plutocracia considera-se que os mais ricos são melhores do que os demais: a
plutocracia é o governo dos mais ricos. É aquele sistema de governo em que os
mais ricos têm o “direito” de escolher os indivíduos que dirigem o Estado e que
elaboram as normas para a sociedade.
7.
No regime democrático representativo moderno, cada cidadão têm um voto. Os
cidadãos são iguais e compõem o povo soberano.
8.
Na economia capitalista de mercado o poder de influir sobre as decisões sobre o
que produzir, como distribuir e o que consumir depende do número de “votos” que
o indivíduo tem, isto é, do número de unidades monetárias de que ele dispõem.
Quanto mais rico o indivíduo, maior o seu poder de influir no mercado, na
economia.
9.
Todavia, a economia capitalista e o sistema político estão intimamente
entrelaçados. A diferença entre “poder de voto” no sistema econômico,
determinado pela riqueza, e poder de voto no sistema político, determinado pelo
princípio de “um cidadão, um voto”, cria uma situação grave para a
sobrevivência da democracia.
10.
Nos países em que ocorrem gravíssimas disparidades de renda e de riqueza há uma
questão extremamente grave para os mais ricos: como transformar o seu dinheiro,
a sua riqueza, em poder de voto, já que é no Congresso, Parlamento ou
Assembléia, onde os representantes são eleitos pelo voto direto da população,
no qual cada representante do povo tem um voto, que se decidem as normas que
regulamentam o direito de propriedade, a legislação tributária, as normas que
regulam as atividades das empresas, a legislação do trabalho, etc. isto é, as normas
que vão afetar a distribuição de renda e de riqueza na sociedade e, portanto
vão afetar os interesses dos mais ricos, os privilégios sociais de que
desfrutam, e que no Brasil são uma parcela ínfima da população.
11.
Há várias formas de “transformar” riqueza em voto, riqueza em poder político.
Uma delas é a corrupção, pura e simples, dos representantes do povo; outra é a
contribuíção financeira para as campanhas eleitorais de candidatos que se
propõem a defender teses gratas aos detentores da riqueza e que vêm a formar no
Parlamento grupos, e.g. a bancada dos ruralistas; outra é a eleição, de forma
direta para a Câmara ou para o Senado; e finalmente outra é a “eleição”
indireta para se tornar membro do Senado, para se tornar Senador da República,
sem haver necessidade de conquistar os votos dos eleitores, sem receber nenhum
voto.
12.
Há hoje, no Senado Federal, 18 Senadores que lá estão sem terem recebido nenhum
voto e que, no linguajar popular, poderiam ser chamados de “biônicos”. A forma
como chegaram à condição de Senador, aliás, legalmente, se encontra na
Constituição Federal que reza, em seu Art. 46, § 3, que cada Senador será
eleito com dois suplentes. A Constituição, porém, não menciona como os
suplentes devem ser escolhidos. Sabemos que os Senadores são eleitos pelo povo,
mas quem elege os suplentes? Certamente não é o povo que, ao votar em um
candidato para Senador, não tem maior conhecimento de quem são os seus
suplentes, ainda que seus nomes apareçam na chapa.
13.
Fala-se o tempo todo em reforma política, financiamento público das campanhas,
corrupção, compra de votos, será este um caso de compra de votos? Certamente o
povo não tem a menor idéia de quem são os suplentes que eventualmente, por
razão de falecimento, perda de mandato, assunção de outros cargos etc vão
assumir os mandatos dos titulares que, estes sim, foram eleitos pelo povo, que
são seus representantes legais e legítimos. O primeiro passo para uma reforma
política seria impedir que cidadãos que não são eleitos pelo povo assumam a
função de seus representantes, enquanto que candidatos que receberam grande número
de votos mas que não foram eleitos não podem representar a cidadania.
14.
Para resolver esta situação, que no mínimo pode ser qualificada como esdrúxula,
uma emenda constitucional poderia estabelecer que no caso de vacância
temporária ou definitiva assumiria a cadeira de Senador o segundo mais votado
nas eleições majoritárias, que certamente representa muito mais a vontade da
cidadania do que os suplentes. Assim, teríamos o primeiro passo de uma
verdadeira reforma política e de fortalecimento da democracia no Brasil.
Com informações do Carta Maior
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